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Tonico e Tinoco
e a Música do Rio Grande

Por Israel Lopes (de São Borja)
Advogado e Pesquisador
E-mail: adv.israellopes@gmail.com.br

 

INTRODUÇÃO

                                     
A dupla Tonico e Tinoco, cognominada “A Dupla Coração do Brasil”, na Era do Rádio e do disco,- a maior dupla sertaneja de todos os tempos - exerceram grande influência na Música Regionalista do Rio Grande do Sul. Além de exercerem influência, também foram influenciados pela música popular gauchesca, deixando uma grande contribuição na divulgação de nossos ritmos, como xote, rancheira, valsa ou valseado-gaúcho, toada-gaúcha e vanerão.
Tonico e Tinoco são filhos de roceiros, do interior de São Paulo, onde se deu o foco central, do trabalho deles. Seguidores da Turma Caipira Cornélio Pires, que foram os pioneiros em 1929 na gravação da moda de viola, como também seguidores da grande dupla Mandy e Sorocabinha (que no período de 1929 a 1932 gravaram mais de 60 modas de viola). Pois a Dupla Coração do Brasil chegou a gravar 52 modas de viola, provando essa continuidade e identidade cultural do mundo caipira paulista, especialmente da música de raiz.
Como essa troca de culturas não acontece da noite para o dia, trata-se de um processo lento e gradual, é necessário que se estude por ordem cronológica. Por isso apresentamos num Capítulo a origem da Música Caipira. E noutro, sobre a Música Regional Gauchesca, cujo pioneiro foi o cantor Pedro Raymundo. Veremos que um “naco” dessa música sertaneja paulista, com a influência do rádio e do disco, numa miscigenação, principalmente com a música da Argentina e a música serrana dos Bertussi, foi que deu uma mescla, segundo o cantor e folclorista Cenair Maicá e, inclusive, formando um dos Estilos da Música do Rio Grande.
No entanto, além de influenciaram, também foram influenciados, principalmente no estilo de Pedro Raymundo. Nos inúmeros xotes, rancheiras e outros ritmos gauchescos que gravaram, se nota perfeitamente, a influência do criador de “Adeus, Mariana!”. 
Por outro lado, artistas como Xará e Timbaúva, seguiram a música sertaneja. E como disse o cantor e folclorista Telmo de Lima Freitas, existe música sertaneja, e também o sertanejo gaúcho, em determinadas regiões do Rio Grande do Sul. Artistas, como Teixeirinha e outros, tiveram influência das duplas caipiras, que repercutiu em algumas de suas composições. Mas, uma coisa interessante é que, as músicas mais cultuadas de Tonico e Tinoco não eram só as gauchescas. É claro que havia uma preferência pelo xote Rio Grande. Também para “Cana Verde, um arrasta-pé, que estava mais para a música sertaneja, mas havia uma identificação com o cancioneiro do Rio Grande. O ritmo é uma variante da polquinha, segundo os folcloristas Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, e que foi muito cultuado, a partir da década de 1960, nas composições de Teixeirinha, Gildo de Freitas e José Mendes – três dos maiores nomes do cancioneiro gaúcho. Nas tradicionais “dedicatórias”, as músicas de Tonico e Tinoco mais solicitadas eram, tanto as gauchescas, como as que também falam no sertão brasileiro, o que prova que o gaúcho como sendo homem da roça, se identifica muito com seus irmãos caboclos dos demais estados, dos demais “Brasis”, como diz o grande poeta Geraldo do Norte, apresentador do programa “No Tabuleiro do Brasil” na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Pois, as tradições, os costumes regionais são semelhantes. Também, pode se explicar da seguinte forma: se o povo gaúcho, tinha seus representantes locais, como Teixeirinha, Irmãos Bertussi, Pedro Raymundo e outros, tinha também na própria dupla Tonico e Tinoco, cantando músicas gauchescas. Então, por isso, pedia nas rádios, as músicas gauchescas, de todos. E como apreciadores da música sertaneja, pediam também as músicas de Tonico e Tinoco, Torres e Florêncio, Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, Zico e Zeca...

 

Capítulo 1
MÚSICA REGIONAL SERTANEJA (CAIPIRA) DE SÃO PAULO

Livro: “Musa Caipira” de Cornélio Pires (Contendo algumas produções em dialeto paulista) - S. Paulo, Livraria Magalhães, 1910. Na foto, o folclorista picando fumo, com um canivete, para fechar o palheiro, e ouvindo um velho caipira, barbudo, tocando uma viola autêntica.
(Acervo de Leonardo Arroyo: doado à Biblioteca da Academia Paulista de Letras)

Quem melhor estudou a origem do caipira e de sua música, foi o folclorista Cornélio Pires. No seu estudo “O Caipira como Ele É”, que publicou em seu livro Conversas ao Pé-do-Fogo (1921), ele fala no caipira branco, descendente dos primitivos ou colonizadores europeus; no caipira caboclo, descendente dos bugres (índios), primeiros povoadores do sertão; no caipira negro (descendente do africano) e no caipira mulato (do cruzamento português com o africano). Daí vem a contribuição dessas etnias com a música caipira. Diz o folclorista:

“A música e o canto roceiros são tristes, chorados em falsete, são um caldeamento da tristeza do africano escravizado, num martírio contínuo do português exilado e sentimental, do bugre perseguido e cativo. O canto caipira comove, despertando impressões de senzalas e taperas. Em compensação, as danças são alegres e os versos quase sempre jocosos”.

No livro Sambas e Cateretês (1932) Cornélio Pires dividiu em seções: Moda de Viola; os Violeiros e seus Gêneros de Modas..; Modas Catireiras; Modas Diversas. O folclorista, começou a recolher essas “modas”, lá por 1907. Pois ele diz no prefácio:

“Há 25 anos, iniciei a colheita de versos rústicos, “inventados” pelos nossos caipiras para os seus fandangos, “funções”, cateretês, sambas, canas-verdes e cururus. Reúno hoje em volume esses versos e outros colhidos depois, conservando-lhes as corruptelas, brasileirismos, regionalismos, defeitos de rimas e, muitas vezes, má metrificação, para não lhes tirar o sabor especial e a cor local”.

Por sua vez, o professor Romildo Sant’Anna, no seu livro A MODA É VIOLA – Ensaio do Cantar Caipira (2000), também enfoca de forma sistematizada essas origens da cultura da Moda Caipira com o romance tradicional Ibérico, difundido pelos colonizadores de Portugal, aliado às contribuições dos escravos africanos e dos indígenas brasileiros. Falando sobre o poeta caipira, ele diz:

“Aprende e aperfeiçoa fórmulas de versejar, no sulco da tradição que, partindo da África e da Europa, atravessou o oceano e se amestiçou aqui com a caipira ameríndia. Identifica-se por uma espécie de rapsodo, qualificado pelas funções de um estradeiro (não raro um boiadeiro, que quer dizer aquele que vê antes, ou vivencia os fatos e os interpreta aos ouvintes)”.

Convém registrar que música caipira é uma espécie da música sertaneja, que é gênero, na definição de Zuza Homem de Mello, conforme o Especial “A Música da Roça” (no Globo Rural, 2003), apresentado pelo jornalista José Hamilton Ribeiro. Pois ao ser questionado por Zé Hamilton, o notável historiador da Música Popular Brasileira, assim respondeu:

“A música caipira é uma parte da música sertaneja localizada em torno do Estado de São Paulo. A música sertaneja é a música do sertão brasileiro, de todo o sertão brasileiro”.

O mesmo jornalista e historiador Zé Hamilton Ribeiro, publicou posteriormente o livro Música Caipira – As 270 modas de todos os tempos (2006) e novamente falando sobre a diferença entre sertanejo e caipira, citou aquele mesmo especialista do assunto, Zuza Homem de Mello, que afirmou em suas pesquisas:

“O gênero sertanejo está em todo o “sertão” brasileiro, seja do Nordeste, do Centro, do Sul, do Sudeste. Já a espécie caipira é música sertaneja do Sudeste, com algum avanço para o Centro-Oeste e uma raspadinha no Sul e no Norte. Assim, música caipira é uma gaveta dentro de um armário, com outras gavetas... A gaveta cabe no armário, o armário não cabe na gaveta”.

1.1 - Turma Caipira Cornélio Pires

Os primeiros registros fonográficos da Música Caipira, deve-se ao esforço pioneiro do escritor e folclorista Cornélio Pires que, com sua Turma Caipira, gravaram em 1929 e 1930 cerca de 52 discos de 78 rotações, contendo 104 gravações. Pois ali está a raiz da música caipira. Desse número, reuniu cerca de 31 modas de viola, nos seus discos da “Série Caipira Cornélio Pires”, através da Gravadora Colúmbia.

Eu tive a honra e o privilégio de ter entrevistado em 1983 os remanescentes da Turma Caipira: Mandy e Sorocabinha. Este, era muito organizado, arquivou tudo o que saiu na imprensa, em jornais da época, sobre a carreira artística das “Turmas” (da Turma Caipira do Cornélio Pires e da Turma Caipira Victor, de Piracicaba) e da dupla que manteve com o Mandy (Mandy e Sorocabinha), o que enriqueceu a minha pesquisa, no tocante às fontes primárias.

Capa do livro Turma Caipira Cornélio Pires, de Israel Lopes, Gráf. Ed. “A Notícia”, São Luiz Gonzaga,RS, 1999. Foto histórica, publicada na “Revista Sertaneja” - Vol. 17. São Paulo, Agosto de 1959.
(Acervo: Israel Lopes)

Quando eu lancei em 22 de agosto de 1999 em Tietê, São Paulo, o meu livro TURMA CAIPIRA CORNÉLIO PIRES, Os Pioneiros da Moda de Viola em 1929 (1999), então eu coloquei um lembrete, na capa: 70 ANOS DA MÚSICA SERTANEJA. Pois a primeira moda de viola “Jorginho do Sertão” foi gravada em outubro de 1929 pela dupla Caçula e Mariano, que eram da Turma Caipira Cornélio Pires. Não estava errado: música caipira é uma espécie do gênero sertanejo, conforme o Mestre Zuza Homem de Mello e, além disso, havia sido comemorado em 1979 em São Paulo, o Cinqüentenário da Música Sertaneja.

1.2 - Mandy e Sorocabinha

Tonico e Tinoco, no livro “de memórias” Da Beira da Tuia ao Teatro Municipal (1984), mencionam o trabalho pioneiro da Turma Caipira Cornélio Pires e, especialmente, da dupla Mandy e Sorocabinha. Pois, essa dupla, conforme mencionei no meu livro sobre a TURMA CAIPIRA, gravaram mais de 60 modas de viola. Foram os grandes divulgadores do ritmo, tanto na Turma Caipira Victor (de Piracicaba), em 1929 como em dupla: MANDY E SOROCABINHA (ainda no início de 1930).
A Turma Caipira Victor, era composta por Mandy, Sorocabinha, Sebastião Ortiz de Camargo (Sebastiãozinho), Antoninho Estevão, Sebastião Roque, Durvalina, Avelina e Maria Imaculada – (estas três ainda eram crianças, filhas de Sorocabinha).
Em 1929, eles (na Turma Caipira Victor) gravaram 5 discos de 78 rotações, contendo 5 modas de viola, um samba paulista, um cateretê, um cururu e dois desafios. Inclusive, num dos Desafios, conforme digo no meu livro:

“..Paulista e Gaúcho, retrata a rivalidade entre os “getulistas” e os “prestistas”. Mandy representava os partidários do paulista Júlio Prestas; e o Sorocabinha, os do gaúcho Getúlio Vargas”.

MANDY E SOROCABINHA – Foto clássica, de 1929, que foi pôster-símbolo das solenidades do Cinqüentenário da Música Sertaneja (em 1979), medindo 1mx2m, colocado em “outdoors” da SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA DE SÃO PAULO que também distribuiu em postal.
Arquivo: Terezinha de Jesus Gomes
(Acervo: Israel Lopes)

No meu livro sobre a Turma Caipira Cornélio Pires, eu cito a Dupla Coração do Brasil, nesse aspecto, sobre o trabalho da dupla Mandy e Sorocabinha, quando digo: “Tonico e Tinoco no seu livro “de memórias” dizem que a dupla Mandy e Sorocabinha eram violeiros ajudantes, da Turma Caipira Cornélio Pires. Contam que aprenderam a cantar a “MODA DA VIDA” (moda-de-viola) de Mandy e Sorocabinha, ouvindo num gramofone, em 1939, na Fazenda Vargem Grande, em Guarantã, em Botucatu. (...). Colecionavam os livros de Cornélio Pires. Cantavam “Jorginho do Sertão”:

O Jorginho do Sertão é um rapaz inteligente
Numa carpa de café ele enjeitou três casamento,
Acabou o seu serviço alegre, muito contente
Foi dizer ao seu patrão: - Quero a minha conta corrente.

- Sua conta não te deu por ser um rapaz inteligente,
Jorginho, tenho três filhas, lhe ofereço em casamento,
Logo veio a mais velha, por ser mais interesseira:
- Jorginho case comigo que sou mais trabalhadeira.

Logo veio a do meio com seu vestido de chita:
- Jorginho case comigo que eu das três sou mais bonita,
Logo veio a mais nova, vestidinha de amarelo:
- Jorginho case comigo que eu das três sou a flor da terra.

Na hora da despedida, ai, ai, que as morena chora, ai, ai,
O Jorginho do Sertão é um rapaz de pouco lua:
- Não posso casar com as três, então não caso com nenhuma.
Na hora da despedida que as morena chora,
- Adeus pra vocês que ficam, o Jorginho vai s’embora.

 

1.3 - Tonico e Tinoco

Tonico e Tinoco, quando se apresentaram em 15/11/1942, no programa “ARRAIAL DA CURVA TORTA”, que era apresentado pelo Capitão Furtado, cognominado “O Caipira que fala com o coração”, venceram o maior concurso de violeiros de todos os tempos, cantando “ADEUS CAMPINA DA SERRA”, de Cornélio Pires e Raul Torres. O auditório se levantou, aplaudindo com lágrimas, pedindo bis, pois a dupla cantava com afinação, representando a mais pura alma da roça. Logo Tonico e Tinoco, ganharam o cognome de “A Dupla Coração do Brasil”.

Adeus, Campina da Serra, lugar que fui moradô,
O meu leal coração, muitas delícias gozô,
No prazo de pouco tempo o meu gosto se acabou,
Despediu e foi embora quem nesta terra morou.

A minha rosa dobrada, desta terra retirou,
Deu o vento na roseira, minha rosa desfolhou,
Quando a rosa despediu, a roseira desmaiou,
De paixão e sentimento, os passarinho chorou.

Adeus, carinha de rosa, rainha de toda flor,
Adeus, corpo delicado, adeus, coração traidor,
Numa triste madrugada, quando ela embarcou,
Na onda do mar que trouxe, a maré veio e levou.

Adeus, coração de bronze, por outro me desprezou,
Hoje eu vivo desprezado de quem tanto me estimou,
Numa triste madrugada, quando ela se mudou,
Tantas penas e saudade no meu peito ela deixou.


Em 1944, Tonico e Tinoco, gravaram o primeiro disco de 78 rpm, interpretando o cateretê “Inveis de me agradecê”, de Capitão Furtado, Jaime Martins e Aimoré. Do outro lado do disco, foi gravada uma música humorística com a dupla Palmeira e Piraci, que faziam grande sucesso, na época. Vejam que era um cateretê! Um dos autores da música, o Capitão Furtado (Ariowaldo Pires), sobrinho do folclorista Cornélio Pires, que pesquisou sobre o ritmo cateretê, conforme foi visto.
O jornalista José Maria Tomazela, num excelente artigo, intitulado “A volta de um pioneiro e sua canção sertaneja” (19/11/2009) falando sobre o importantíssimo trabalho de resgate, empreendido pelo Secretário de Cultura de Tietê, historiador Pedro Macerani, que regravou em CD toda a Discografia de 78 rotações, de Cornélio Pires, lembrou dessa relação do Capitão Furtado com a Dupla Coração do Brasil, quando afirmou o seguinte:
“... seguiu as pegadas do tio (Cornélio Pires) e lançou duplas como Cascatinha e Inhana e Tonico e Tinoco”.

1.4 - Tristeza do Jeca

A “Dupla Coração do Brasil”,muito bem se enquadrou, na definição clássica de Cornélio Pires sobre Música Caipira: “A música e o canto roceiro são tristes, chorados em falsete, são um caldeamento da tristeza do africano escravizado,num martírio contínuo do português exilado e sentimental, do bugre perseguido e cativo...”.
A toada Tristeza do Jeca, de Angelino Oliveira, tem esses requisitos, e foi gravada por Tonico e Tinoco, primeiro num disco de 78 em 1947. Depois, no 1º LP em 1957 e, posteriormente, em inúmeras regravações.
O Mestre Romildo Sant’anna, no seu livro, analisando essa música na gravação de Tonico e Tinoco, relaciona que, anteriormente fora gravada pela Orquestra Brasileira América em 1923, por Patrício Teixeira em 1926 e por Paraguaçu em 1937, e diz:

“... uma das toadas mais queridas no regionalismo caipira (e, talvez pela sua nostalgia idealizante, muito bem aceita no mundo urbano) e mais representativa da Música Popular Brasileira, no Brasil e exterior”.

Nestes versos tão singelo, minha bela, meu amô,
Pra mecê quero contá, o meu sofrê e a minha dô,
Eu sou como o sabiá ,quando canta é só tristeza,
Desde o gaio onde ele tá.

(Estribilho)

Nesta viola eu canto e gemo de verdade...
Cada toada representa uma saudade.

Eu nasci naquela serra, num ranchinho bera-chão,
Tudo cheio de buraco, adonde a lua fai clarão,
Quando chega a madrugada, lá no mato, a passarada
Principia um baruião.

Vô pará co’a mia viola, já não posso mais cantá,
Pois o Jeca quando canta tem vontade de chorá,
O choro que vai caindo devagá vai sumindo
Como as águas vão pro mar...

O odontólogo João Pio Flach, Diretor-proprietário da Rádio Cerro Azul, de Cerro Largo, no Rio Grande do Sul, e que apresenta na emissora o programa “Atravessando a Fronteira”, aos domingos, das 9 às 11 horas da manhã, onde as músicas da Dupla Coração do Brasil são as mais solicitadas, em entrevista para este ensaio, em 7 de janeiro de 2010 declarou:

“Agora, para o teu conhecimento, se é que tu ainda não sabes, a música que projetou esta dupla para este enorme Brasil foi: Tristeza do Jeca”.

 

Capítulo 2
MÚSICA REGIONAL GAUCHESCA (DO RIO GRANDE DO SUL)

Capa do livrinho BRASIL RITMOS, maio de 1960, 6ª edição. Coleção da Editora Souza, de André Pinto de Souza, que ficava no Brás em São Paulo.
(Acervo: Israel Lopes)

Como o irei discorrer sobre Tonico e Tinoco e a Música do Rio Grande, como fiz com a música caipira de raiz, tenho que fazer um histórico da origem da música regional gaúcha. A música regionalista do Rio Grande do Sul teve uma grande contribuição da música portuguesa e espanhola (da Península Ibérica) que vieram na alma dos colonizadores, como também recebeu a contribuição do imigrante alemão, do imigrante italiano, a influência do índio, do negro e do platino, conforme as pesquisas dos folcloristas Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, registradas no livro Danças e Andanças da Tradição Gaúcha (1975). Mas eles também registram, como adiante irei mencionar, que a música regionalista do Rio Grande do Sul, teve grande influência da milonga argentina e da música sertaneja, principalmente na música caipira de São Paulo, através dos programas de rádio.
Pedro Raymundo foi o grande pioneiro da música regionalista do Rio Grande do Sul. Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, no livro mencionado, registraram:

“Nos cafés e bares “da volta do Mercado”, concorridíssimos, ganha aplausos um cantador de nome Pedro Raymundo – natural de Santa Catarina mas bem representativo do Rio Grande na sua maneira “largada” de interpretar, à gaita-piano, animados xotes e polquinhas”.

Em 1940 Pedro Raymundo criou o Programa “Pedro Raymundo e seu conjunto Quarteto dos Tauras”, ao microfone da Rádio Gaúcha de Porto Alegre, e passou a divulgar os nossos ritmos gauchescos. Paixão e Lessa, na obra citada, ainda registram o grande pioneirismo do catarinense, gaúcho de coração:

“Pedro Raymundo deixa em seu lugar, nos shows da “volta do Mercado”, um outro gaiteiro, Oswaldinho, e vai tentar a sorte no Rio. Pouco depois está colhendo aplausos no auditório da Rádio Nacional. E grava a primeira música gauchesca de sucesso nacional: o xote “Adeus, Mariana!”

Isso foi em 1943, que Pedro Raymundo radicou-se no Rio de Janeiro e gravou essa música. Cantava na Rádio Nacional, que era a maior vitrine, a maior mídia da época, na divulgação dos artistas brasileiros, sintonizada em todo Brasil. Nesses programas de auditórios, como aquele do Almirante, ele se apresentava pilchado, de bombachas, botas, esporas, lenço ao pescoço, chapéu preto de barbicacho, jogado às costas, representando os usos e costumes do Rio Grande do Sul. Excursionou por todo o Brasil, vestindo a pilcha gaúcha, e interpretando com sua cordeona, animados xotes, rancheiras, polcas, toadas, valsas e milongas, conforme registramos com o jornalista Vitor Minas, em nosso livro Pedro Raymundo, da coleção Esses Gaúchos (1986) .

Sobre o trabalho de Pedro Raymundo, registrei, na Folha de São Borja, um depoimento de Almirante, o grande programador da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que disse:

“Pedro Raymundo: sem o menor favor eu o considero o mais típico e o mais expressivo e legítimo dos artistas gaúchos que já ouvi”.

Registramos em nosso livro com Vitor Minas, que nada menos que Luiz Gonzaga, “O Rei do Baião”, em entrevista ao jornal O Pasquim, em agosto de 1971, declarou ter-se inspirado em Pedro Raymundo; ao constatar que aquele gaúcho tinha o seu traje típico, e porque o nordestino não o tinha, por isso vestiu-se de “cangaceiro”. Por aí dá para se constatar a projeção a nível nacional que o Pedro Raymundo deu à música do Rio Grande do Sul, cantando xotes e rancheiras, entre outros ritmos gauchescos, por este Brasil afora, numa época que não tinha nem televisão, mas o rádio era um veículo de comunicação de massa, que chegava longe e veio contribuir com essa propagação da Música Popular Brasileira de todas as matizes.

A partir de 1947, a música regionalista do RGS, foi impulsionada, através daqueles jovens estudantes do Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, liderados por Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, que realizaram pesquisas de campo, por todo o Rio Grande do Sul e até mesmo nos Países do Prata, no Paraguai e outros países, e resgataram as nossas danças gaúchas (primitivas) que inicialmente foram gravadas (em 1955) pela grande cantora e folclorista paulista Inezita Barroso, acompanhada do Grupo Folclórico Brasileiro de Barbosa Lessa e do gaiteiro Luiz Gaúcho, conforme consta no livro O Rio Grande do Sul Canta e Dança com Paixão Côrtes (2005).

Mas, conforme já foi dito, veremos opiniões de Paixão Côrtes, Barbosa Lessa, Cenair Maicá, Telmo de Lima Freitas, Adelar Bertussi, Teixeirinha, Bruno Neher e Leonardo sobre essa influência da música sertaneja, através do rádio e do disco, no Rio Grande do Sul. Aí é que entra a influência de Tonico e Tinoco e de outras duplas paulistas do rádio e do disco, da música caipira autêntica, numa troca de culturas.

 

Capítulo 3
INFLUÊNCIA DA MÚSICA SERTANEJA DAS DUPLAS DO RÁDIO PAULISTA

Para provar essa influência da música sertaneja (caipira) sobre a música regionalista do Rio Grande do Sul é necessário que se faça um histórico no tempo e no espaço, onde destacarei a grande Dupla Coração do Brasil, Tonico e Tinoco. Pois, embora tenham surgido depois, que Torres e Florêncio, Serrinha e Caboclinho (que também influenciaram), mas foram eles (Tonico e Tinoco) que mais influenciaram no Rio Grande do Sul, mas também foram influenciados. É claro que Raul Torres, além disso, foi um compositor que compôs muitos temas ligados à música gauchesca, como Rei dos Pampas (1951), Gaúcho de São Borja (1953), Cavalo Zaino, (1956), entre outras, contribuindo com a sedimentação do cancioneiro do gauchismo . Inclusive, no livro “de memórias”, Tonico e Tinoco falam que as principais duplas da época (década de 1940) eram Nhô Nardo e Nhô Cunha, na Gravadora Continental; Serrinha e Caboclinho, na Odeon; e Raul Torres e Florêncio, na RCA.

Adelar Bertussi, grande compositor, que formou com seu irmão Honeyde Bertussi, a maior dupla de gaiteiros do Rio Grande do Sul de todos os tempos, denominada Irmãos Bertussi, quando gravou com Itajaíba Mattana, o disco Os Cobras do Teclado (1968) incluiu a composição Homenagem aos Paulistas, em que retrata muito bem essa época, dos programas caipiras nas Rádios de São Paulo, que eram ouvidos aqui no Rio Grande do Sul e influenciaram nossos principais músicos e compositores. Pois diz na letra dessa toada:

“Abro meu peito cantando
Pra fazer uma afinação,ai, ai
E convido a minha gaita
Num mi maior de gavetão
Para dizer aos paulistas
Que no dedo também sou bão ai, ai.
Pra dizer que’eu gosto deles
Com toda admiração, ai, ai.

Minha mãe ligava o rádio
Eu ainda era guri
Rádio Record de São Paulo
Difusora e a Tupi
Para ouvir os caipiras
Do meu sertão brasileiro.
Para ouvir o Torres e o Florêncio
Rielli era o gaiteiro”.

Quanto ao programa de rádio e seus componentes, Adelar Bertussi demonstrou sua boa memória. O jornalista e historiador Walter de Sousa, no seu livro Moda Inviolada – Uma História da Música Caipira (2005), assim registrou sobre Torres, Florêncio e Rielli:

“Na segunda metade de 1940, Raul Torres e Florêncio se juntaram ao acordeonista José Rielli”. Iniciaram, assim, na rádio Record, o programa Os Três Batutas do Sertão, que ficou no ar quase trinta anos e rendeu ao trio o inconfundível apelido”.

Continuando na sua homenagem, Adelar diz:

“Serrinha e Caboclinho
E o grande Riellinho
Também eu cantava as modas
Do Palmeira e do Luizinho.
De quem eu gostava muito
Da sanfoneira Zézinha.
Caipiras de São Paulo
Esta homenagem é minha”.

Walter de Sousa, no seu livro, falando sobre esse outro trio, registrou o seguinte:

“Já a união de Serrinha e Caboclinho e Riellinho fez nascer O Trio Mais Querido do Brasil, grupo não tão longevo quanto o de seu tio – durou dez anos, de 1944 a 1954, no ano em que Caboclinho morreu prematuramente”.

Os pesquisadores/historiadores Fábio Moreira da Silva e Maikel Monteiro, que estão escrevendo um livro sobre a música regional, descobriram que o Caboclinho (Luiz Marino Rabello) faleceu em São Paulo em 25 de novembro de 1957 e não em 54.
Quanto aos outros artistas, mencionados por Adelar Bertussi, segundo o Sr. Hélio Xavier da Silva, de Mogi-Guaçu, SP, conhecedor da trajetória de Palmeira, Luizinho e Zezinha:

“Palmeira e Luizinho, formaram uma grande dupla, e depois um Trio, com a sanfoneira Zezinha, em 1946”.

Palmeira foi autor de grandes sucessos, como Boiadeiro do Norte, em parceria com Arlindo Pinto. Luizinho foi co-autor com Teddy Vieira, do clássico Menino da Porteira. Posteriormente, conforme o colecionador paulista, já mencionado:

“Luizinho participou de um outro Trio (quando Limeira substituiu Palmeira), formando o também famoso: Luizinho, Limeira e Zezinha”.

Adelar Bertussi, na seguinte estrofe, como ouvinte dos programas de rádio de São Paulo, e fã da Dupla Coração do Brasil, fala sobre a enfermidade de Tonico, como também diz que “os paulistas, nos duetos afinados são os maiores do mundo”:

“Tonico ficou doente
Brasil inteiro chorou
Tinoco ficou cantando
Chiquinho que lhe ajudou
Nos versos e nas violas
Os paulistas são profundos
Nos duetos afinados
São os maiores do mundo”.


É o próprio Tinoco, que depõe no livro “de memórias”, de quando gravaram no LP Na Beira da Tuia em 1958 o xote “Gaúcho Velho”, de Pedrinho de Almeida e Herivelto Martins:

“Neste LP a música Gaúcho Velho foi interpretada somente por mim e pelo Chiquinho, pois o Tonico estava em tratamento de saúde. No disco Rei dos Pampas ela foi gravada com a participação do Tonico”.

Capa do 2º LP de Tonico e Tinoco “Na Beira da Tuia”, da Gravadora Continental - 1958 contendo o xote Gaúcho Velho, de Pedrinho de Almeida e Herivelto Martins. Como homenagem ao Rio Grande do Sul, assim como fizeram com o 1º Long-Play, estão de lenços brancos (“chimangos”) e, desta vez, ostentam bombachas largas, bem no estilo dos pampas gaúchos.
Site: Paulo Roberto Moura Castro
(Acervo: Antônio Marcos Negraes, de Santa Bárbara, SP)

No final, dessa toada, passando para a melodia de Tristeza do Jeca, do Angelino de Oliveira, como uma sugestiva homenagem aos nossos irmãos caipiras, o cantor Adelar Bertussi, faz uma impostação de voz quase em falsete, parodiando essas antigas duplas do rádio paulista.


“Pra São Paulo esta homenagem
De um gaúcho rio-grandense
Que vive cantando verso
Alegrando muita gente.
Pras emissoras paulistas
Um voto muito febril
E aos programas caipiras
Orgulho do meu Brasil.
E aos velhos compositores,ai,ai
De modinhas do sertão, ai, ai
Também deixou esta homenagem, ai, ai
Do fundo do coração”.

 

ADELAR BERTUSSI, no dia 15 de setembro de 2009, quando foi homenageado na “Semana Farroupilha” pelo Centro Nativista Boitatá e Câmara de Vereadores de São Borja. Na foto, juntamente com o menino Vitor Lopes, filho do escritor Israel Lopes, quando este intelectual são-borjense fazia entrega de exemplar do seu livro “Teixeirinha, O Gaúcho Coração do Rio Grande” ao músico que, com seu irmão Honeyde formaram a famosa dupla Irmãos Bertussi, Os Cancioneiros das Coxilhas.
Foto: Juliano Jaques
(Acervo: Israel Lopes)

 

Os folcloristas Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, no livro Danças e Andanças da Tradição Gaúcha (1975) falando sobre essa influência da música sertaneja, através do rádio em nosso Estado, no período da Segunda Guerra Mundial, dizem:

“Na Rádio Gaúcha de Porto Alegre, o jovem poeta Lauro Rodrigues lança um programa radiofônico dirigido aos ouvintes do meio rural: “Campereadas”. Chama para seu programa o gaiteiro Oswaldinho, reúne-o ao violonista Zé Bernardes e assim forma a Dupla Campeira. Esta dupla forma repertório bem diferente do repertório dos Quitandinhas; retoma, em boa parte, a temática e a melodia tradicional, e deixa-se influenciar, por outra parte, pelas duplas do rádio paulista a exemplo de Tonico e Tinoco”.

Mais adiante, dizem os folcloristas, que além da influência da música sertaneja, a música regionalista do Rio Grande do Sul sofreu influência da música platina. Mas que, nessa época, final da década de 1940 e décadas de 1950, 1960 e 1970, da música sertaneja foi muito maior a influência:

“Hoje, com a influência do disco e do rádio, tornou-se muito mais acentuada a presença de milonga – argentina – entre os artistas populares do Rio Grande do Sul. Mas muitíssimo maior é a influência, sobre esses artistas populares dos artistas sertanejos do rádio paulista. Pela temática, e pela impostação de voz quase em falsete, as duplas gaúchas se abraçam às duplas paulistas, fraternalmente, numa espécie de busca inconsciente das origens comuns. E se durante muito tempo Tonico e Tinoco venderam muitos discos no interior do Rio Grande, hoje Teixeirinha vendo muitos discos a seus admiradores do interior de São Paulo, Minas e Goiás”.

Esse livro de Paixão e Lessa é de 1975. O folclorista Chico Sosa, no livro Noel Guarany, Destino Missioneiro (2003) traz uma entrevista que o saudoso cantor e folclorista Cenair Maicá, concedeu à Revista Tarca, nº 5, em dezembro de 1984, referindo-se ao final da década de 1960 quando diz:

“Então iniciamos uma campanha com uma música mais no estilo cultural, porque na época o músico tinha que tocar música de baile, como os Bertussi, ou música sertaneja paulista, senão não era música que o povo estivesse acostumado. Havia uma predominância da música sertaneja e dessa serrana dos Bertussi”.

E falando sobre a chamada Música Missioneira (que teve inicio no Rio Grande do Sul, no final da década de 1960 com Noel Guarany, Jayme Caetano Braun, Cenair Maicá e Pedro Ortaça), que é um dos Estilos da Música do Rio Grande, Cenair Maicá, complementou:

“Praticamente criamos o estilo. Eu, por exemplo, como iniciei a cantar – é claro que a gente tinha influência da Argentina, de toda a parte, de São Paulo, dos Bertussi – mas procurei fazer assim da maneira que eu sentia, que eu gostava, numa mescla que deu certo. Ela se diferencia de todas as outras. O meu estilo, o do Noel, o do Pedro Ortaça, somos todos de uma mesma região, mas cada um com seu trabalho e com sua característica” (Apud Chico Sosa).

Essa influência que a música sertaneja exerceu no Rio Grande do Sul através do rádio, nas décadas de 1940 e 1950, também é mencionada pelo grande cantor e folclorista Telmo de Lima Freitas (compositor premiadíssimo na Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul), que disse na entrevista ao jornal O Desgarrado (1993):

“Se tocava polcas, mazurcas, valsas, xotes, contra-passo e se tocava dobrado. (...). Músicas sertanejas se tocava (eu grifei), músicas do “Catullo”. Músicas do Pedro Raymundo, e por aí se vai. Esse era o tipo de música que nós consumíamos. Não existia festival nenhum. Nós tocávamos nos Centros de Tradições, que já existia esse movimento tradicionalista”.

O pesquisador Henrique Mann, no fascículo 6, sobre “Telmo de Lima Freitas”, da coleção CEEE/Som do Sul (2002) falando sobre o grande cantor, assim descreveu:

“1942 – Ganha seu primeiro violão (cordas de aço), no qual passa a tocar modas de viola de duplas sertanejas como Tonico e Tinoco e Alvarenga e Ranchinho. Gostava também de Catulo da Paixão Cearense, Vicente Celestino e de polcas guaranis”.

Na entrevista para o fascículo, Telmo de Lima Freitas, ainda fala no pioneirismo de Pedro Raymundo, seguindo por Irmãos Bertussi:

“Antigamente a gente tocava as músicas do Pedro Raymundo, música paraguaia e depois apareceram os Irmãos Bertussi. (..). Eu acho que quem pode ser considerado precursor da nossa música é sem dúvida o Pedro Raymundo e depois os Irmãos Bertussi”.

No fascículo nº 7, da coleção, é sobre o cantor gaúcho Leonardo (Jader Murici Teixeira), autor de clássicos como a valsa “Céu, Sol, Sul, Terra e Cor”, - ele que foi dupla com Leopoldo Lino dos Santos: Leopoldo e Leonardo, e gravaram 3 discos “receptivos à música sertaneja”. Também cantava música sertaneja, conforme afirmou:

“Quando comecei cantando, foi com música sertaneja; depois é que eu vim a cantar música gaúcha, e aí veio à tona aquela vivência campeira e lembrança de Pedro Raymundo. Quando fui trabalhar de palhaço de circo e vi de perto o trabalho das duplas sertanejas. Fiquei muito emocionado. Ali fiz grandes amigos. Eu era o “Palhaço Sabugo” e adorava a dupla Xará e Timbaúva, meus queridos amigos”.

A propósito de Xará e Timbaúva, a dupla começou com Xará e Cabriúva, depois passou para Xará e Timbaúva. O começo foi no programa “Coisas Nossas”, apresentado por Nelson Souza, na Rádio Itaí, de Porto Alegre. Aliás, Nelson, com Inhá Tuca, iniciaram esse programa ainda no final da década de 1950, divulgando, também a música sertaneja.

Bruno Neher, que, com seu irmão Elmo, na década de 1970, formaram um trio famoso, do qual o próprio Leonardo chegou a fazer parte, no livro sobre “Os 3 Xirús – 45 Anos de Glória” (2008), fala na influência que sofreram da música sertaneja e menciona Tonico e Tinoco:

“Começamos a ensaiar a dupla Irmãos Neher, com músicas de Tonico e Tinoco, Pedro Bento e Zé da Estrada, Silveira e Barrinha e algumas, de nossa autoria”.

Mais adiante, falando nos bailes de candeeiro que ele tocava, lembrou de “Cana Verde”, de Tonico e Tinoco:

“Algumas músicas que eu tocava naqueles bailes eram Meu Pé da Serra, que era interpretado por Luiz Gonzaga; Cavalo Zaino, de Raul Torres e Florêncio e Cana Verde, de Tonico e Tinoco. Toquei muito Adeus, Mariana, de Pedro Raymundo”.

Na entrevista, concedida ao poeta e folclorista Dimas Costa, em 1976, que registrei no meu livro sobre Teixeirinha, o Gaúcho Coração do Rio Grande (2007), o saudoso cantor, autor de “Coração de Luto”, falou na dupla que manteve com o gaiteiro Antoninho da Rosa (em 1955) com influência da Dupla Coração do Brasil:

“Modéstia à parte, mas a nossa dupla era muito boa. Cantávamos no estilo da dupla Tonico e Tinoco. O Antoninho tinha uma voz fraquinha, mas cantava muito alto. E eu fechava com uma segunda voz, muito forte. Dava um dueto espetacular”.

 

TEIXEIRINHA - compacto duplo, contendo Coração de Luto, Volte Papai, Briga no Batizado e Não e Não - Discos Chantecler, São Paulo, 1961.
Foto: Oswaldo Micheloni
(Acervo: Nézio Silveira Alves)

Tonico e Tinoco - de bombachas e lenços brancos, bem ao estilo dos pampas.
Livrinho BRASIL RITMOS nº 8 – Editora Souza, São Paulo
Acervo: Antônio Mortarelli
Site: Paulo Roberto Moura Castro

 

3.1 - Programas de Rádio no Rio Grande do Sul
– Expansão da Música Regionalista

Os programas de rádio, no Rio Grande do Sul foram importantíssimos para nossa música regional gaúcha. Isso desde os programas pioneiros da Rádio Sociedade Gaúcha, com Pirajá Weyer, Pedro Raymundo e Lauro Rodrigues, nas décadas de 1930 e 1940. Depois, em 1955, com o Grande Rodeio Coringa, na Rádio Farroupilha, que iniciou com Darcy Fagundes e Paixão Côrtes, depois Darcy e Dimas Costa, e a partir de 1957 Darcy e Luiz Menezes. Programa que permaneceu ao ar até o final da década de 1970 e que era ouvido em todos os ranchos dos gaúchos. Esse programa foi o grande responsável pela expansão da Música Regionalista do Rio Grande do Sul nas décadas de 1960 e 1970. Pois, por ali passaram todos os grandes artistas, da música regionalista do Rio Grande do Sul. Com orientação cultural desses dois grandes gaúchos, folcloristas Darcy Fagundes e Luiz Menezes, foi que nossos cancioneiros, abraçaram e incorporaram em nossa música o mais autêntico gauchismo.

Ainda, os folcloristas Paixão Côrtes e Dimas Costa, mantiveram um programa de auditório na Rádio Gaúcha, o “Festança na Querência”, de 1957 a 1965, onde passaram grandes nomes do nosso regionalismo, com destaque para o gaúcho Teixeirinha. Darcy Fagundes, como incansável defensor da Música Regional do Rio Grande, em 1982 criou o Madrugada Gaúcha, na Rádio Gaúcha, que, com sua doença em 1984, passou o comando do mesmo para o folclorista Antonio Augusto Fagundes. Este mudou o nome para Galpão do Nativismo. O programa continuou apresentado com maestria pelo cantor e compositor Dorotéo Fagundes, no horário das 6 às 9 h, aos domingos, até meados de 2018.

O livro mais completo sobre o assunto, desde o pioneirismo de Pirajá, é o do historiador Luiz Artur Ferraretto, “Rádio e Capitalismo no Rio Grande do Sul”(2007), onde apresenta um quadro sobre os “principais programas regionalistas”, apresentados por esses ícones do rádio gaúcho.

3.2 - A Integração Cultural com os Países do MERCOSUL
– Os Festivais de Música Nativista

É claro que hoje, posso dizer, com toda certeza, que a maior influência que a Música do Rio Grande do Sul sofreu, foi justamente dos nossos irmãos dos Países do MERCOSUL. Pois com a criação da Califórnia da Canção Nativa em 1971 e com a proliferação dos Festivais de Música Nativista, em vários municípios do Rio Grande do Sul, nossos compositores, continuando o trabalho, especialmente dos nossos artistas da chamada Música Missioneira, ou de fronteiras, estreitaram os laços com os ritmos argentinos, uruguaios e paraguaios. Com isso, com essa troca de valores dos ritmos de fronteiras, com os demais países que formam o MERCOSUL, a milonga e, mais recentemente, o chamamé, estão para o Rio Grande do Sul como a moda de viola está para São Paulo.

Artistas, entre os quais, Noel Guarany, Cenair Maicá, Jayme Caetano Braun e Pedro Ortaça, considerados Os Troncos Missioneiros, - todos eles, eminentemente criadores de milongas, deram uma grande contribuição à música regional gaúcha de raiz. Também, o grupo Os Angüeras sob a liderança do poeta e compositor Apparício Silva Rillo e do musicista José Bicca, exerceram uma grande contribuição à música nativista do Rio Grande do Sul. Teixeirinha, Gildo de Freitas, Luiz Menezes, Telmo de Lima Freitas, também foram grandes criadores do ritmo milonga, principalmente na década de 1960. Isso, no período da expansão da música regionalista, proporcionada em grande parte, pela divulgação dos nossos artistas, no “Grande Rodeio”.

Mas, a influência da música sertaneja (paulista, como estamos vendo, neste trabalho), é inegável.

A influência que a música regionalista do Rio Grande do Sul sofreu dos “nuestros hermanos”, foi abordada pelo historiador Chico Sosa, no Projeto Cultura na UFSM (2006) quando falou sobre a “Música Gaúcha”, conforme o site www.sedufsm.com.br:

“A música gaúcha tem uma influência muito grande da música uruguaia e argentina. Ele aproveitou sua fala para mostrar discos de intérpretes da música gaúcha, como Teixeirinha, Gildo de Freitas, Paixão Côrtes e Luiz Carlos Borges”.

Outro grande estudioso de nossa música, nessa integração cultural é o poeta, compositor e folclorista João Sampaio, que entende que parte do Paraguai, também faz parte do gauchismo, como afirmou Jorge Vômero:

“João Sampaio sempre achou que a geografia do GAUCHISMO e da arte pampeana precisa incluir, obrigatoriamente, além do Rio Grande do Sul, o Uruguai, a Argentina e parte do Paraguai. (...). Muito antes do Mercosul e dessa badalada integração – mais badalada que efetiva e verdadeira – João Sampaio já convivia com os irmãos do mundo artístico destas fronteiras, estudava o espanhol e o idioma dos povos aborígenes e escrevia, compunha e gravava em espanhol e guarany. Silenciosamente, era um dos pioneiros dessa integração, junto com outros abnegados companheiros das TRÊS PÁTRIAS GAÚCHAS e do CANCIONEIRO GUARANÍTICO”.

João Sampaio, nessa integração cultural nos ritmos de fronteiras, compôs várias músicas em parcerias com outros grandes aedos do Rio Grande do Sul, entre os quais Noel Guarany, Pedro Ortaça, Jorge Guedes, Xiruzinho, com poemas de inspiração guaranítica (português, espanhol e Guarany), que estão no seu livro Purajhei Missioneiro (1983).

Como o nosso Estado possui muitas etnias, essa troca de culturas, essa miscigenação, formando essa diversidade de ritmos, com vários Estilos Musicais, formando um todo, é muito bom, pois enriquece a Cultura Popular do Rio Grande do Sul.

3.3 - Existe Sertanejo Gaúcho?

Telmo de Lima Freitas, hoje um dos maiores e mais autênticos compositores do Rio Grande do Sul, pois teve vivência campeira, e passou a estudar o folclore gaúcho, entende que existe o Sertanejo Gaúcho. No mesmo fascículo, mencionado (CEEE/Som do Sul de Henrique Mann), Telmo falou sobre a música sertaneja no Rio Grande do Sul:

“A música sertaneja também é gaúcha, sim senhor. Nós temos esse gênero em Osório e Santo Antonio da Patrulha. Ali naquela região tem um linguajar próprio. Eles falam cantado, chamam lavoura de maia (malha) e são daqui. Nós temos sertanejos no Rio Grande do Sul”.

Telmo, como estudioso do assunto, compôs uma chamarra, com esse título Sertanejo Gaúcho, gravada por Paullo Costa, onde diz nos seus versos:

“Sou sertanejo gaúcho
Óie em minhas mãos
Que podem prová.
Pranto, cóio, faço brique,
Vou no alambique
Pra bebericá.

Quando enveredo na roça
Meu pai, minha nossa,
Como é bom chegá.
Ouvir uma foice afiada
Proseando co’a enxada
Pra Deus escutá.

Essa afirmação do consagrado compositor, é confirmada no Festival Moenda da Canção, de Santo Antônio da Patrulha. Pois no decorrer desse festival, tem aparecido modas-de-viola, com freqüência, com o Cantar Caipira, bem naquela definição que já foi vista sobre o cancioneiro caipira, no trabalho do historiador paulista Romildo Sant’Anna.

Em 2009 a música vencedora da Moenda, foi uma moda de viola, conforme o Jornal ABC do Gaúcho, produzido na Internet, por Tânia Goulart, na matéria “Moda de Viola a 23ª Moenda”, quando ela diz, que é um festival aberto a todos os estilos musicais:

“A bela moda de viola Eu e João de Barro, de Paulo Ricardo Costa e Emerson Martins (Santa Maria e Santa Cruz do Sul) venceu a 23ª edição da Moenda da Canção, de Santo Antonio da Patrulha e foi vitoriosa duplamente pelos jurados e a melhor na opinião do público”.

Telmo de Lima Freitas tem razão: existe Sertanejo Gaúcho, no Rio Grande do Sul, especialmente em Santo Antônio da Patrulha e municípios vizinhos.

Um outro exemplo: Teixeirinha nasceu em Mascarada em 1927 quando pertencia a Santo Antônio da Patrulha. Local que passou a Rolante em 1955. Na entrevista, concedida ao poeta Dimas Costa em 1976, que registrei no meu livro “Teixeirinha, o Gaúcho Coração do Rio Grande” (2007) o cantor recordou parte de sua infância, lembrando do seu falecido pai:

“Pegava uma gaita de oito baixos, tocava bem a viola. Cantava de improviso, naquelas rimas de quatro versos que eram do tempo dele. Foi meu pai que me despertou para a música. Ele gostava muito de cantar e me embalava, no colo, cantando a música Tristeza do Jeca:

Eu nasci naquela serra,
Num ranchinho à beira-chão
Todo cheio de buraco
Onde a lua faz clarão.

O homem também cantava toadas de São Francisco:

Oi, lai, lairai, lai, lai,
Vou cantar pro senhor
Sou gaúcho do Rio Grande
E já nasci trovador, ai”.

Isso prova também o nascedouro das diversas manifestações de aculturações que formaram o cancioneiro do gauchismo, especialmente “da presença açoriana, como as “Cantigas de Oi-la-rai, entoadas durante as lidas de trabalho” (SANTO ANTONIO DA PATRULHA-200 ANOS, 2009). Pois essas canções, permeadas com a música sertaneja, naquela região do Rio Grande do Sul, dos Campos de Cima da Serra, que seria tão cultuada nas toadas dos Irmãos Bertussi, a partir de suas gravações na década de 1950, como, por exemplo: “São Francisco é Terra Boa”.

Quando gravou o LP Teixeirinha Num Fora de Série, que registrei no meu livro, Teixeirinha “incluiu o clássico de Angelino de Oliveira, Tristezas do Jeca, a música que o seu pai cantava quando o cantor era criança”.

Teixeirinha foi um cantor de Múltiplas Faces, conforme digo num Capítulo do livro. Uma delas, dessas facetas, foi justamente essa herança sertaneja, que registrei num tópico, com o título de “Vai, Cantador!”:

“Uma das músicas do Teixeirinha que muito bem poderia ser incluída numa coletânea de clássicos do cancioneiro do sertão brasileiro, ao lado de Mágoas de Caboclo, de J. Cascata e Leonel Azevedo, gravada por Orlando Silva na década de 1940, Luar do Sertão, de Catullo, Romaria, de Renato Teixeira, e tantas outras, é a toada Vai, Cantador! A letra e a música lembram o Brasil sertanejo, o ponteio da viola, cujos pioneiros foram os integrantes da Turma Caipira de Cornélio Pires (em 1929).

“A música sertaneja (autêntica) existe em todo o Brasil. O compositor Telmo de Lima Freitas, autor de Sertanejo Gaúcho, gravada por Paullo Costa, defende a tese de que existe o gaúcho sertanejo em alguns municípios do Rio Grande do Sul. O estudioso Zuza Homem de Mello, foi entrevistado pelo jornalista José Hamilton Ribeiro, no programa Globo Rural (TV Globo), no Especial A Música da Roça, que foi ao ar no dia 10 de agosto de 2003. Questionado sobre a diferença entre a música caipira e a sertaneja, respondeu: “A música caipira é uma parte da música sertaneja localizada em torno do Estado de São Paulo. A música sertaneja é a música do sertão brasileiro, de todo o sertão brasileiro”. Essa informação condiz com a tese de Telmo: existe o sertanejo gaúcho. Segue trecho de Vai, Cantador!:

“Ponteando a sua viola,
Lá vai indo o cantador,
Nos seus versos bem rimados,
Vai cantando a sua dor.
Sua voz cheia de mágoas
Sai do peito sofredor,
Na sua melancolia
Eu ouvi quando dizia
Saudades de um grande amor”.

 

Capítulo 4
A CONTRIBUIÇÃO DE TONICO E TINOCO À MÚSICA REGIONAL GAUCHESCA

TONICO E TINOCO (com o traje de gaúcho) - Revista SUPLEMENTO MELODIAS SERTANEJAS - Nº 9 - Editora Prelúdio, São Paulo.
Site de Paulo Roberto Moura Castro: http://wwww.widesoft.com.br/users/pcastro2/revista.htm
(Acervo: Coleção particular de Antônio Mortarelli, de Limeira, SP)

 

4.1 - Adeus Rio Grande

A primeira música gauchesca, gravada por Tonico e Tinoco foi Adeus, Rio Grande (toada-riograndense) de Anacleto Rosas Jr. e Arlindo Pinto. É assim que está no livro deles: toada-riograndense. Tinoco, no livro “de memórias”, diz:

“Esta foi a primeira moda gaúcha que gravamos, nos idos de 1946. Ela foi recebida com muito carinho pelo pessoal do Sul e resolvemos incluir uma faixa gauchesca em todos os nossos LPs”.

Foi em setembro de 1949, e consta que é uma moda campeira, num disco de 78 rotações, através da Gravadora Continental, contendo do outro lado, a música Besta Ruana, também uma moda campeira de Ado Benatti e Tonico. Na letra, fala em “adeus morena formosa”..., “dançando a chimarrita...” (que é uma dança do folclore gaúcho), “meu rincão”. Portanto, enfocando termos regionais, do vocabulário gauchesco.

Em 1973, a mesma gravadora incluiu Adeus, Rio Grande, num LP:

Adeus Rio Grande adorado, torrão amado onde eu nasci,
Adeus morena formosa, botão de rosa que eu conheci.
Adeus minha gauchada, cumpanheirada com quem vivi,
Eu deixo o meu rincão mais meu coração deixarei aqui. [bis]

Eu vou-me embora, não sei até quando.
Adeus meu rincão, adeus meu Rio Grande,
Partirei chorando.

Adeus morena bonita, linda gauchita que eu tanto amei,
Dançando a chimarrita, toda catita que eu te encontrei.
Adeus bosques e lagos, adeus meus pagos aonde eu me criei,
Levo os óio raso d’água mas não é de mágua, sei que vortarei. [bis]

Eu vou-me embora,...

Como este trabalho se destina a explicar o porquê ou os porquês dessa face gauchesca da Dupla Coração do Brasil, em cantar, identificando-se como representantes típicos da música regional do Rio Grande do Sul, então, sem analisar a etimologia da palavra Gaúcho, pois, segundo Paixão Côrtes, “dezenas de historiadores e etimólogos têm levantado hipóteses sobre a origem dessa palavra, sem ainda chegarem, a nosso ver, a uma justificativa definitiva” , mas destacarei, da palavra “gaúcho”, somente o seu histórico na cultura regional, para melhor definir o cancioneiro gaúcho. Nada melhor que a definição clássica de Augusto Meyer:

“...na poesia popular, um sinônimo de bom ginete, campeiro destro, com tendência para identificar-se com os termos guasca, monarca; e finalmente para todos nós, um nome gentílico, a exemplo do carioca, barriga-verde, capixaba, fluminense”.

Conforme Paixão Côrtes, “no sentido de sinônimo de rio-grandense, a palavra “gaúcho” começa a ser usada bem depois da metade do Século XIX” . O Mestre Celso Pedro Luft no seu Dicionário, na parte sobre os nomes gentílicos, no verbete “Rio Grande do Sul”, diz:

“Gaúcho; sul-riograndense; rio-grandense do sul”.

Hoje, todos os que nascem no Rio Grande são gaúchos. Daí a definição do Augusto Meyer, dizendo que tem o carioca, o barriga-verde, ou seja, em cada Estado tem um nome gentílico; em São Paulo, o paulista, e no Rio Grande do Sul, tem o gaúcho.

4.2 - Xote “Rio Grande”

Foi em 1949, que a dupla lançou a música “Adeus, Rio Grande”, depois que Pedro Raymundo “gravou a primeira música gauchesca de sucesso nacional: o xote “Adeus, Mariana”, em 1943, conforme os folcloristas Paixão Côrtes e Barbosa Lessa. Inclusive, o Tonico no seu depoimento, no livro “de memórias”, dá para entender que no tocante à música regional gauchesca, a dupla sofreu influência de Pedro Raymundo:

“Pedro Raymundo foi um dos maiores criadores de xotes. Em 1944 ele era um dos maiores cartazes do país e somente Luiz Gonzaga se igualava em matéria de sucesso. Até hoje eu guardo seus livros, com muitas músicas gaúchas, incluindo Adeus, Mariana, que gravamos neste LP”.

Daqui para frente vamos encontrar uma quantidade de xotes, compostos por Tonico e Tinoco, outros em parcerias, alguns de outros compositores, mas todos no estilo semelhante ao da gauchada. Com esse depoimento do Tonico, que em 1944 conheciam o trabalho de Pedro Raymundo, e pegando as músicas gauchescas, fazendo uma comparação todas se encaixam no estilo do cantor, pioneiro do gauchismo.

Os folcloristas Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, no livro “Danças e Andanças da Tradição Gaúcha”, apresentam um verbete sobre o xote, mas usam a grafia com “ch”, chote. Conservei com “x” porque nos discos de Tonico e Tinoco assim estão grafados.

No referido verbete, eles explicam a origem alemã do chote (ou xote como também é muito usado), a popularização do ritmo, na dedada de 40 através do Pedro Raymundo, no Rio de Janeiro, e a continuidade com o Teixeirinha, que fazia do xote um dos esteios da Música do Rio Grande, na década de 1970. Eis o verbete:

“Chote – Juntamente com a valsa e a polca, o “schottisch” abriu caminho em Paris para a revolução das danças de pares enlaçados (1840). Na própria Europa houve certa confusão inicial de nomes entre a polca e a shottisch, mas no Rio Grande do Sul a troca de nomes foi completa: os colonos alemães chamam de schottisch ao que os luso-rio-grandenses chamam de polca, e vice-versa. No ambiente gauchesco o aparecimento do chote ou chotes coincidiu com a difusão da gaita como instrumento musical. Chote, dançado ao som da gaita, se tornou a danças de pares enlaçados preferida do gaúcho. Na década de 40 o cantor Pedro Raymundo, a partir do Rio de Janeiro, popularizou o chote gaúcho através do rádio (enquanto o cantor nordestino Luiz Gonzaga também apresentava alguns chotes do Nordeste); e ainda hoje, na década de 70, Teixeirinha e outros cantores regionais do disco e rádio fazem do chote um dos esteios da música regional de consumo no Rio Grande do Sul. Ao tempo de nossas pesquisas dança ainda era bastante usual nos bailes campeiros, apresentando detalhes que se denominavam “de ponta e taco”, “de três batidas”, “se largando”, etc.

 

Capa do 1º LP “Tonico e Tinoco com Suas Modas Sertanejas” – Continental – 1957. Estão de lenços brancos, símbolos dos gaúchos do Rio Grande do Sul e, justamente, nesse disco, incluíram aquele xote clássico “Rio Grande”.
Site: Paulo Roberto Moura Castro.
Acervo:Antonio Marcos Negraes, de Santa Bárbara, SP.

 

Em abril de 1952, também num disco de 78 rpm, pela Gravadora Continental, Tonico e Tinoco gravaram “Flor Gaúcha” e “Rio Grande”. Posteriormente, no primeiro LP em janeiro de 1957 (também na Continental) eles incluíram esse xote RIO GRANDE de autoria de B. Santos. Essa música, na década de 1960, no Rio Grande do Sul se tornou uma das músicas mais executadas pelos gaiteiros e violeiros do pago, tanto nos programas gauchescos, em nossas rádios locais, como nos baile campeiros. Nessa letra, também fala em “gauchada,... nos bailes da fazenda, da peonada, do churrasco, das coxilhas e do chimarrão”. Termos de usos e costumes da tradição gaúcha.
Tonico, no livro, afirmou que:

“B. Santos, um gaúcho que fazia trio com Espiguinha e Barole, era artista exclusivo de Manhãs da Roça, do Chico Carretel, na Rádio Cruzeiro do Sul. Um dia ouvimos ele cantar este xote e resolvemos incluí-lo no disco. Fomos ao programa, aprendemos a música e ela fez parte do nosso primeiro LP”.

“Adeus, meu Rio Grande, minha terra amada,
Terrinha abençoada, onde eu nasci.
Hoje tão distante, já não penso em nada.
Só na gauchada que me despedi.

Eu venho de tão longe sem conhecê nada.
Passando nas estradas e deixando o sertão.
Hoje nesta terra tenho camarada,
Companheiros e amigos do meu coração.

Deixei a minha terra no ano passado.
Só trouxe a meu lado uma recordação
Dos bailes da fazenda e da pionada,
Do churrasco e a coxilha e do chimarão.
Hoje nesta terra vivo descansado,
Vejo o luar prateado deste céu de anil,
Minha terra ficou longe, lá em outro Estado,
Mas eu vivo conformado, pois tudo é Brasil”.

Dali para frente em todos os discos, Tonico e Tinoco, incluíram uma, ou duas músicas gauchescas, um xote, uma rancheira, uma valsa, uma toada-gaúcha, um vanerão. Eu acompanhei durante as décadas de 1960 e 1970 ainda na Era do Rádio, que eu como pesquisador, chamo de expansão da música regionalista do Rio Grande do Sul, no tempo das homenagens sonoras (dedicatórias) nas emissoras do nosso Estado. As músicas mais solicitadas com Tonico e Tinoco eram Cana Verde (arrasta-pé) gravada e lançada no 1º LP da dupla, em janeiro de 1957 e regravada em disco de 78 rotações em junho de 1958 (as duas vezes pela Continental); o xote Rio Grande (gravado em 1952 em disco de 78 rpm e regravada em 1957, no 1º LP – pela Continental); e Moreninha Linda, de Tonico, Priminho e Maninho (gravada, inicialmente em disco de 78 em 1960 e em junho de 1961 em LP, ambas através da Philips).

É claro que as demais músicas gauchescas e as essencialmente caipiras com Tonico e Tinoco, também eram muito solicitadas, aqui no Rio Grande do Sul. Gravaram 88 LPs, 84 discos de 78, 9 compactos simples e 14 duplos. Agora, já tem 66 CDs remasterizados, em diversas Gravadoras. Não existia essa de que as gauchescas, eram mais solicitadas. Pois, no repertório deles, - evidentemente – como representantes da cultura caipira de São Paulo, tinham muito mais sertanejas, do que as gauchescas.

Encontrei em torno de 45 músicas gauchescas: 17 xotes, 10 rancheiras, 4 toadas-gaúchas, 4 vaseados-gaúcho, 9 vanerões. Gravaram, uma toada-gaúcha, do repertório dos Irmãos Bertussi, e 4 toadas, do Teixeirinha. Isso daria em torno de 3 LPs com 12 músicas, e sobraria ainda 9. Sem sombra de dúvida, essa face gaúcha na obra da dupla, representou uma grande contribuição ao cancioneiro do Rio Grande do Sul. Ainda mais eles que faziam um sucesso nacional.

Fazendo uma cronologia das músicas gauchescas que eles gravaram, podemos citar as seguintes, inicialmente gravadas em discos de 78 e depois em LPs: Adeus Rio Grande, moda campeira, de Anacleto Rosas Jr. e Arlindo Pinto (1949); Flor Gaúcha, valsa, de Priminho, e Rio Grande, xote, de B. Santos (1952) e Fim de Baile, xote de Zé Paióça e Tonico (1954). Todas, pela Gravadora Continental.

4.3 - Xote “Fim de Baile”

Essa, “Fim de Baile”, um xote de Zé Paióça e Tinoco, que a dupla gravou em 1954 pela Gravadora Continental, trata-se de um xote bem naquele “Estilo” da gauchada, que projetou a Música do Rio Grande, na década de 1940 através do cantor Pedro Raymundo. É a história de um gaúcho folgazão, descrevendo um baile campeiro, tão comum, ainda na década de 1960, nos rincões do interior gaúcho, simbolizando uma das mais caras tradições do Rio Grande do Sul:

Companheirada, é hora da partida.
É o fim do baile, o galo já cantou.
Dance mais uma pra dar a despedida,
E vamo embora, porque o dia já clareou.

Nóis vamo embora andando sem tardança,
Pois a boiada nóis temo que entregar,
Mais nesta sala deixemo por lembrança:
Risco de espora, que nunca vai se apagar.

Dono do baile é um gaúcho forgazão.
Muito obrigado da sua cortesia.
Eu agradeço o café e o chimarrão,
Me dá licença, vou despedir da famia.

Adeus gaúcha, pois é minha esperança,
Não chore tanto, que um dia hei de voltar.
Guarde este lenço, te deixo por lembrança.
Enxugue a lágrima quando de mim lembrar.

Adeus amigo, aqui fica o meu abraço.
E pro gaiteiro o meu aperto de mão.
Adeus, gaúcha, não chore nos meus braço
Que eu vou embora mais deixo o meu coração.

 

4.4 - Xote “Gaúcho Velho”

Seguindo essa seqüência de sucessos gauchescos, vem “Gaúcho Velho”, xote, de Pedrinho de Almeida e Herivelto Martins, gravado pela dupla, na Continental em 1958. Posteriormente foi gravado por Pedro Raymundo, Paixão Côrtes, Teixeirinha, entre outros. Trata-se de uma das músicas mais representativas do cancioneiro do Rio Grande do Sul. Um gaúcho, contando suas proezas, de quando foi convidado para tocar sua sanfona, num baile campeiro, onde “caiu num pialo” de amor, e enquanto a turma “churrasqueava no galpão”..., ele lavantou “aquela china” na garupa”. No refrão, diz no segundo verso: “Ai, Rio Grande, esta saudade amarga mais que o chimarrão”.

Pedrinho de Almeida, segundo os folcloristas Paixão Côrtes e Antonio Augusto Fagundes, em conversas ou “charlas”, em diversos programas de rádio de Porto Alegre, ele era um gaúcho que residia no Rio de Janeiro, compôs muitas músicas gauchescas, e nesse xote, bem no Estilo da gauchada, fez uma parceria com o também grande compositor: Herivelto Martins.

A minha história é muito curta, minha gente.
Em poucos verso conto tudo que se passa.
O que é preciso é mostrar unicamente
Que não há nada que eu queira fazer não faça.

Fui convidado para tocar minha sanfona,
Numa festança lá pra banda de Faxina.
Foi ali que eu encontrei uma certa dona,
Juro por Deus que era bonita aquela china.

Ai, Rio Grande, ai que saudade lá dos bailes do garpão.
Ai, Rio Grande, esta saudade amarga mais que o chimarrão.

Gaúcho véio como eu, criado a bruto
Que não se enleia na maneia do amor,
Não sei porque que o coração deste matuto
Caiu no pialo desse anjo encantador.
Lá pelas tantas enciei meu alazão,
De légua em légua eu fazia upa, upa.
Enquanto a turma churrasquiava lá no garpão,
Eu levantei aquela china na garupa.

Ai, Rio Grande,...

E depois disso, vivo muito forgazão,
No meu ranchinho pra banda de Vacaria.
Já tenho argúem que me prepara o chimarrão
Ao chegar a tarde, no bater da Ave-Maria.

Ai, Rio Grande,...

 

4.5 - Xote “Gaúcho Alegre”

Continuaram, gravando músicas do Rio Grande, como: Gaúcho, xote, de Tonico e Tinoco, em disco de 78 rotações; e Gaúcho Alegre, xote, de Tinoco, Tonico e Zé Carreiro, num LP, ambos na Continental em 1959. Esta, “Gaúcho Alegre”, também bem característica do Rio Grande do Sul. A história de um gaúcho alegre, mas “ninguém conhece o seu padecimento. Era noivo de uma linda china, já tava marcado o casamento, e ela fugiu com um cabra aventureiro, esquecendo o juramento”. Por isso ele teve que “deixar a querência, mas toda vez que tocava uma moda, um xote, as velhas choravam e a morenada queriam casamento”. Colocaram um arranjo, característico do Sul, com aquela corrida no teclado da cordeona, como faziam os Irmãos Bertussi:


Eu vou deixá o meu querido Rio Grande,
Eu vou contá do meu padecimento.
Eu era noivo de uma linda china,
Tava marcado o nosso casamento.
Ela fugiu com um cabra aventureiro, ai...
E esqueceu do nosso juramento.

Saí correndo como a folha seca
Que sem destino acompanhando o vento.
Peguei meu pingo e bati rastro afora;
Hoje eu mudei o meu pensamento:
Não vale a pena gastar uma bala, ai...
Ai, no costado dum mau elemento.

Estou morando neste chão paulista,
Deixo a querência e muito sofrimento.
Meu apelido é Gaúcho Alegre,
Ninguém conhece meu padecimento.
Eu canto xote lá do meu Rio Grande, ai...
Meus óio chora, mas eu não lamento.

Eu danço e brinco com toda moçada,
Mas tudo dentro do regulamento.
Eu canto moda que inté as veia chora
A morenada querem casamento.
Meu coração é como a frô do campo, ai...
Que ela nasce e morre no relento.

 

4.6 - Recordação de Gaúcho (Toada-Gaúcha)

Ainda, 1959, A Dupla Coração do Brasil, gravou os seguintes sucessos sulinos: Noite de São João, rancheira, de Rielinho e Tinoco; e Recordação de Gaúcho, toada-gaúcha, de Dito Mineiro e Tinoco. Esta gravação da Continental, também, uma letra, destacando um gaúcho, viajante, um gaudério, nascido no Rio Grande:

Foi nascido no Rio Grande
E lá mesmo foi criado,
Cavargando pelos pampa,
Sempre alegre, atrás do gado.

Mas um dia resorvi
Conhecer outros Estado.
E hoje eu vivo distante
Do meu rincão adorado.

Arreei meu pingo amigo,
Já vinha rompendo a aurora,
Minha véia me abraçava:
- Meu fio não vá s’imbora.

As gauchinha chorava:
- Vorte logo, sem demora.
Disse um adeus pro Rio Grande,
Piquei o macho na espora.

Tá fazendo muitos ano
Que eu deixei o meu rincão.
Eu rocordo das festança,
Das noites de São João.

O rodeio nas estância,
O meu tempo de peão.
Uma gaúcha marvada
Que feriu meu coração.

Quero vortá pros meus pago,
Quero vê meus conhecido
E pedir perdão pros véio,
Que muito já tem sofrido.

Quero morrer na estância,
Lugar onde eu foi nascido,
Quero rever minha terra,
O meu Rio Grande querido.

Nesse rosário de sucessos pampeanos, Querência do Céu - toada-gaúcha, de Tonico e Zé Paióça; Canta, Moçada, xote, de Tonico, Nonô Basílio e Nhô Fio, num LP da Philips, 1961. Passo da Saudade - valseado-gaúcho, de Tonico e Junqueira (Dino Franco); e Laço da Amizade - xote, de Tonico e Serraninha, ambos pela RCA Victor em 1962.

4.7 - Xote “Adeus, Mariana!”

Em 1963, a dupla incluiu no LP Rancho de Palha (Chantecler) o xote Adeus, Mariana, de Pedro Raymundo, que fora gravada pelo autor em 1943 (em disco de 78 rotações) – considerada pelos folcloristas Paixão Cortes e Barbosa Lessa, como a primeira música regional gauchesca de sucesso nacional.

Nasci lá na cidade, me casei na serra,
Com minha Mariana, moça lá de fora.
Um dia estranhei o carinho dela.
Disse: - Adeus, Marina, que eu já vou m’embora.

É gaúcha de verdade, dos quatro costado,
Ela usa chapéu grande, bombacha, espora,
Eu, que estava vendo o caso complicado,
Disse: - Adeus, Mariana, que eu já vou m’embora.

Nem bem rompeu o dia me tirou da cama.
Enciou o tordio e saiu campo fora.
Eu fiquei danado e saí dizendo:
- Adeus, Mariana, que eu já vou m’embora.

Ela não disse nada, mas ficou cismando
Que era dessa vez que eu daria o fora.
Pegou a açoiteira e veio contra mim:
- Me larga, Mariana, que não vou embora.

Ela de zangada foi quebrando tudo.
Pegou a minha roupa e jogou porta afora.
Eu fiz uma trouxa e saí dizendo:
- Adeus, Mariana, que eu já vou m’embora.

 

4.8 - Xote “Rei dos Pampas”

Outra música bem gauchesca, gravada pela dupla, foi o xote “Rei dos Pampas”, de Raul Torres. Trata-se de uma música de 1951 que foi muito ouvida, na Era do Rádio, com a dupla Torres e Florêncio. Adelar Bertussi e outros pioneiros da Música do Rio Grande do Sul, têm declarado que essa música influenciou muito no cancioneiro gaúcho. Ela tem o Estilo da gauchada, que projetou a música regionalista de Pedro Raymundo. Retrata um gaúcho monarca. Tonico e Tinoco, gravaram na Chantecler, essa música em 1963, no mesmo LP que contém Adeus, Mariana. Tinoco, no livro “de memórias”, assim depõe:

“Esta música era uma toada gauchesca, lenta, que foi a primeira gravação de Raul Torres e Florêncio. Tivemos a idéia de mudar o ritmo para xote e fomos felizes nesta adaptação, pois ela passou a ser considerada o “hino dos xotes gaúchos”.

Sou Rei dos Pampa, sou gaúcho forte,
Um bom amigo e amigo de festa.
Tenho por cama, do meu rancho, a paia,
E o meu pala no calor da sesta.
Não tenho casa nem morada certa.
Tenho um pala e na garupa um laço,
Um bom arreio, rebenque prateado,
Um bom revórve e seis balas de aço.

Entro no baile arrastando a espora,
Danço a tirana e também a rancheira,
Se encontro ali uma china morena,
Essa comigo dança a noite inteira.
De Rei dos Pampa ela deu-me o nome.
Eu vou contá o motivo por quê.
Seis bandoleiro me deram um aperto,
E eu solito fiz os seis corrê.

Um certo dia, numa gauchada,
Montei em pelo num baguá teimoso,
Sortei o tala entre as duas oreia,
Piquei de espora esse baguá furioso.
Um fazendeiro, certo Patriarca,
Quis dar emprego, mas não aceitei.
O meu destino é viver viajando,
De pago em pago já me acostumei.

Tem uma china que eu adoro muito.
Mora na serra, na estância do tio.
De Rei dos Pampa ela deu-me o nome.
Por Deus eu juro que ela não mentiu.
Eu sou um rei, embora sem tesouro.
Sou Rei dos Pampa, eis a sina minha.
Se ele tem uma coroa de ouro,
Eu tenho a china, que é minha rainha.

Paixão Côrtes, o maior folclorista do Rio Grande do Sul, em 1977, gravou um LP intitulado “Do Folk aos Novos Rumos” (Discos Continental) onde incluiu o xote Rei dos Pampas, de Raul Torres. Côrtes, como pesquisador comunga daquela mesma opinião de Adelar Bertussi e outros, de que Raul Torres, também foi importante para a música regional do Rio Grande do Sul, com essa composição que, igual a Gaúcho Velho, de Pedrinho de Almeida e Herivelto Martins, são considerados clássicos do cancioneiro gauchesco.

4.9 - Xote “Miss Universo”

Miss Universo – xote, de Tonico e Tinoco (1964, gravadora Continental), mas já tinham gravado num 78 rpm no selo Caboclo no ano anterior. Neste xote, eles homenagearam a beleza da mulher gaúcha, representada pela Miss Universo, Ieda Maria Vargas. Também, destacam em alguns versos: “um sobrenome saudoso..., que nos deu esse presente: a Miss Universo e um grande presidente”. O Presidente gaúcho, que eles relacionaram é o Getúlio Vargas, que governou o Brasil por 15 anos, que foi muito popular e considerado como “um grande presidente”.

Representou o Brasil lá na terra estrangeira,
Veio o título invejado, com a nossa mensageira.
A Miss Universo, a linda fazendeira,
Levou sua beleza, da gaúcha brasileira.

Chegou lá no estrangeiro, no seu pingo de andadura,
Desfilando de bombacha e guaiaca na cintura.
Andou na passarela, fazendo linda figura.
Mostrou que a brasileira tem talento e formosura.

Yeda Maria Vargas, gauchinha sorridente,
Um sobrenome saudoso, que está sempre em nossa mente,
Abraço pro Rio Grande, que nos deu esse presente:
A Miss Universo e um grande presidente.

Nasceu lá no Rio Grande, na terra do chimarrão,
Ela é Miss Universo, é orgulho da nação.
Aceite a homenagem de todo coração,
Da moçada da cidade, e do caboclo do sertão
.

 

4.10 - Xote “Peão Gaúcho”

Outro xote, muito cultuado no Rio Grande do Sul: Peão Gaúcho, de Tonico, Tinoco e Toninho (1964, Continental). Nessa época, o Teixeirinha fazia um sucesso extraordinário, não só no Rio Grande do Sul, mas no Brasil inteiro. Iniciara aos domingos, das 9 às 10h na Rádio Gaúcha de Porto Alegre, o Programa “Teixeirinha Canta para o Brasil”. Gildo de Freitas, outro grande nome do regionalismo gaúcho, se lançara no disco, apesar de já ter músicas gravadas pelo próprio Teixeirinha, como também por mais dois grandes cantores gaúchos: Ademar Silva e Tiarajú.

Tinoco, no livro “de memórias”, assim contou o nascimento desse xote:

“Toninho Sanfoneiro, do Trio dos Fazendeiros, era proprietário, com Paiozinho e Zé Tapera, do Circo Paiozinho. Um dia fomos fazer um show nesse circo, armado na Freguesia do Ó. Nesse dia Toninho se casava com a Ana (a festa foi no picadeiro) e ali estreamos o xote Peão Gaúcho, com o noivo na sanfona”.

Vejam a projeção que a dupla proporcionava à música gaúcha, estreando essa música, no casamento, de um dos autores, o Toninho, num circo na Freguesia do Ó, na Capital paulista. Essa letra, não é como as demais, que têm certa originalidade com os costumes do Rio Grande. Aqui eles fazem uma mistura de gauchismo com sertanejo. Em vez de tropeiro , como é comum no folclore gaúcho, eles preferiram o termo boiadeiro , que é comum em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e outros Estados do Brasil. É claro que não deixa de ser um sinônimo. Na letra de Gaúcho, xote, de Tonico e Tinoco, gravada em 1959 em disco de 78 rotações (depois mudado o título para Rei do Laço, regravado em Lp em 1965), eles já haviam usado a palavra “boiadeiro” em dois versos. Veremos mais adiante que o termo “boiadeiro” se tornou comum nos nomes dos CTGs (Centros de Tradições Gaúchas) em Santa Catarina.

No entanto, cabe aqui registrar o depoimento do escritor José Norinaldo Tavares, um pernambucano (nordestino) , residente em São Borja, que me fez lembrar que:

“No Norte e Nordeste, há também a figura típica do “vaqueiro”, com sua vestimenta composta por gibão, roupas de couro, trabalhador que também cuida do gado”.

Olhando, no Minidicionário do Aurélio, ele diz:

“Vaqueiro. s. m. guarda ou condutor de gado vacum”.

José de Alencar, o grande escritor brasileiro, no seu romance “O Gaúcho” (de 1870) ele compara o vaqueiro ao gaúcho e pião, quando afirma:

“Gaúcho e peão são até certo ponto sinônimos, ambos estes vocábulos designam o habitante da campanha do Rio Grande, o sertanejo do Sul, cujos costumes tem muitas afinidades com o vaqueiro do Norte”.

Então, além do tropeiro, do boiadeiro, tem também o tipo regional do Norte, que é o vaqueiro. Vejamos a letra de “Peão Gaúcho”:


Sou boiadeiro gaúcho pachola,
Sanfona e viola é a minha paixão.
Eu gosto desta vida de peão da estrada,
Vendo a madrugada lá no meu garpão.

O dia amanhece, arreio meu pampa,
Pego minha guampa, laço e o facão.
Sempre viajando nesta minha lida,
Estrada comprida deste meu sertão.

A noite desce, eu já tou distante,
Em Novo Horizonte, por outro rincão.
Sentindo saudade da china morena,
Ela deixou pena no meu coração.

E assim eu levo a vida cantando,
Sempre galopando em macho pagão,
Esperando o dia, quando chega a morte,
Fazer meus transporte pra outro rincão.

 

4.11 - Rancheira “Querência da Serra”

Outra música bem gauchesca, é Querência da Serra, rancheira, de Zé Paióça, gravada em LP por Tonico e Tinoco, na Continental em 1964, mas já havia sido gravada no selo Caboclo em 1963. Esta rancheira é muito representativa do Rio Grande do Sul. Também trás os termos gauchescos, como “galpão, china, chapéu de aba larga, bombacha, lenço, laço trançado, gauchinha amada e amarga mais que o chimarrão”.

Sobre essa música, diz o Tinoco, no livro “de memórias”:

“Querência da Serra era do repertório de Chiquinho e Zé Tapera, que a cantavam em ritmo de toada Para gravarmos esta música, fiz um arranjo na letra e mudei o ritmo para rancheira, com um solo de gaita. Assim ficou mais comercial e mais animada”.

Minha querência da serra, a minha roça plantada,
A minha boa peãozada, dançando lá no garpão.
Meus treis gauchinho amado, a minha china querida,
É tudo na minha vida, em meu coração.

Meu chapéu de aba larga, minha bombacha listada,
Minha chilena prateada, meu lenço de seda azul.
Meu pingo de puro sangue, meu laço forte trançado,
Meu campo verde, meu gado, Rio Grande do Sul.

Vou pela estrada cantando, tocando minha boiada,
Vendo a gauchinha amada, que ficou lá no garpão.
Esta marvada saudade, que meu véio peito guarda,
Ela é muito mais amarga do que o chimarrão.

 

4.12 - Xote “Gaúcho Franco”

Continuando essa cronologia de sucessos gauchescos, do repertório da dupla, encontramos: Gaúcho Guapo - valseado-gaúcho, de Tonico e Anacleto Rosas Jr.; Saudade da Estância - toada-gaúcha, de Frontalino e Capitão Furtado; Rei do Laço - xote, de Tonico e Tinoco (música que fora gravada em 1959 com o título de Gaúcho, conforme já foi visto). Estas todas em 1965 pela Chantecler. Despedida de Solteiro - toada-gaúcha, de Tonico, Tinoco e B. Santos; e Gaúcho Franco - xote, de Zé Júnior, ambas pela RCA-Victor em 1967.

“Gaúcho Franco” é uma letra naquele estilo da gauchada, projetada por Pedro Raymundo. Sobre a história dessa música, quem conta é o Tinoco:

“Numa excursão para Aparecida do Norte, conhecemos Zé Júnior, um gaúcho dos bons. Ele cantou um xote e nós ficamos entusiasmados com a letra e com a música. Como estávamos preparando este LP, nós o incluímos no repertório e gravamos com o Zé Cupido na sanfona. Até hoje este xote é muito executado nos programas sertanejos”.

Companheirada, sou lá do Rio Grande.
Estou aqui somente de passage.
Me dão licença, vou enciar meu pingo.
Já está na hora de seguir viaje.

Este é meu traje de gaúcho guapo.
É o estilo que a moçada gosta:
Bombacha larga, bota sanfonada,
Chapéu bem grande jogado pras costa.

Uma guaiaca cheia de dinheiro,
E no pescoço um lenço colorado;
Uma prateada pra comer churrasco,
Um trinta e oito pra ser respeitado.

Protejo os fracos, também as criança.
Sei castigar um índio atrevido.
Muitos amores trago na lembrança,
Sei desprezar um coração fingido.

Não sou covarde, nem sou violento.
Eu sou um guasca muito precavido.
Confio em tudo, mas desconfiando.
Gaúcho Franco é meu apelido.

 

4.13 - Xote “Índio Vago”

E a dupla continuou gravando ritmos do Sul, como Cavalo Preto – moda campeira, de Anacleto Rosas Jr.; Saudade de Gaúcho - xote, de Tonico e Tinoco (1972); Saudades dos Pampas - xote, de Tonico, Tinoco e Miranda (1974); Vanerão - vanerão, de Tonico (1976); e Cantar não é pecado - vanerão, de Tonico, Tinoco e Motinha (1976). Todas pela Continental. Traço de União - valseado-gaúcho, de Tonico e Darcy Silva 1979); e Índio Vago - xote, de Tonico, Tinoco e Élcio Perez (1980). Estas duas pela Chantecler.

“Indio Vago” é a história de um “gaúcho folgazão”, que vive “de pago em pago” . Índio Vago é sinônimo de gaudério, como é chamado no Rio Grande do Sul: um gaúcho errante, sem lei, sem morada certa.

Tinoco, no livro “de memórias”, conta como nasceu este xote, bem gaúcho:

“Esta letra foi escrita por Élcio Perez numa viagem que fizemos para Londrina. Depois coloquei a música e gravamos neste LP”:

Sou índio vago, todo mundo fala,
Sempre alegrando a companheirada.
Acordeão embrulhado no pala,
Aonde eu passo divirto a moçada.
Lá no garpão com chimarrão,
O xote é bom é na madrugada.

Meu pingo preto já bem me conhece
E galopando vou cortando a estrada,
Admirando a beleza silvestre,
Ouvindo o canto da passarinhada,
Mas que saudade, barbaridade,
A gauchinha, minha prenda amada.

De pago em pago que felicidade,
Sempre cantando pra criançada.
Nos CTG mostro a qualidade,
Faço amizade com toda a moçada.
Linda pequena, china buena,
Linda morena, minha namorada.

A quem precisa eu estendo a mão,
Sempre ajudando a companheirada,
Aqui na terra temo que ser bão,
Ai, dessa vida não se leva nada.
Deixa o dinheiro, deixa a estância,
E dessa vida não se leva nada.

Continuando, nesse intercâmbio cultural, incluíram nos seus LPs: Gaiteiro dos Pampas - rancheira, de Tonico e Nhozinho; e Dança Gaúcho Dança - rancheira, de J. Furtado e Cedrinho, as duas gravações, pela Chantecler em 1981. Saudade Barbaridade - vanerão, de Tonico, Tinoco e Miramar (1981); e Bailão Gaúcho - arrasta-pé, de Tinoco e Nadir (1982), as duas pela Copacabana.

4.14 - Cronologia de Sucessos não Gauchescos

Fazendo uma cronologia das músicas da dupla, que não eram gauchescas, mas também eram muito solicitadas aqui no Rio Grande do Sul, nos programas de rádio, nas décadas de 1960 e 1970 que acompanhei, como ouvinte e admirador da música regional brasileira, vou citar as principais. Essas músicas foram incluídas em LPs, mas muitas já haviam sido gravadas em discos de 78 rotações e vice-versa.

Gravadas em discos de 78 rpm na década de 1940 e depois incluídas em LPs: Cortando Estradão, valsa de Anacleto Rosas Jr.; Chico Mineiro, moda de viola, de Tonico e Francisco Ribeiro; Adeus Morena, Adeus, rasqueado, de Piraci; Tristeza do Jeca, toada, de Angelino de Oliveira; Destinos Iguais, moda de viola, de Capitão Furtado e Laureano; Vingança do Chico Mineiro, moda de viola, de Tonico e Sebastião Oliveira; Goiana, moda de viola, de Tonico e Teddy Vieira; Besta Ruana, Moda Campeira, de Ado Benatti e Tonico; Camisa Preta, moda de viola, de Sebastião de Oliveira e Tinoco. Todas pela Gravadora Continental.

Gravadas em LPs na década de 1950: Canoeiro - cururu, de Zé Carreiro (pela Continental); Boi de Carro, toada, de Tonico e Anacleto Rosas Jr.; Cana Verde - arrasta-pé, de Tonico e Tinoco; Curitibana - arrasta-pé, de Tonico, Tinoco e Pirigoso; Carro de Boi - toada, de Tonico; Aparecida do Norte - cururu, de Anacleto Rosas Jr. e Tonico – todos da Gravadora Continental.

Na década de 1960: Moreninha Linda - cana-verde, de Tonico, Priminho e Maninho; Cabelo de Trança - guarânia, de Tinoco, Zé Paióça e Tinoco; Mourão da Porteira - toada, de Raul Torres e João Pacífico, estas, através da Philips. Velhas Cartas - valsa, de Tonico e Tinoco, na Chantecler. Mamãe, Mamãe, Mamãe - valsa, de Tonico e Eduardo Llorente; Paraguaia - guarânia, de Pedro Bento, todas pela Continental. Parabéns, Parabéns, Parabéns - valsa, de José Russo e João Cioffi - pela RCA- Victor. Cavalo Zaino - valseado, de Raul Torres; Chalana - rasqueado, de Mário Zan e Arlindo Pinto; e Cabocla Tereza - toada, de Raul Torres e João Pacífico, através da Continental.

4.15 - Cana Verde, o “Arrasta-pé” no Rio Grande do Sul

Aqueles violeiros e gaiteiros do pago gaúcho, especialmente na década de 1960, cantavam as músicas de Teixeirinha, Irmãos Bertussi, Gildo de Freitas, José Mendes, Ademar Silva e outros, e cantavam o xote Rio Grande (de B. Santos) com Tonico e Tinoco, como música tipicamente gauchesca. Mas cantavam músicas sertanejas, especialmente Cana Verde, arrasta-pé, de Tonico e Tinoco.

Abra a porta ou a janela, venha ver quem é que eu sô.
Sou aquele desprezado que você me desprezô.

Eu já fiz o juramento de nunca mais ter amô,
Pra viver, penar chorando, por tudo lugar que eu vô.

Quem canta seu mar espanta, chorando será pió,
O amor que vai e vorta, a vorta sempre é mió.

Chora viola e sanfona, chora triste o violão,
O que é madeira chora, que dirá meu coração.

O ritmo dessa música Cana Verde é um arrasta-pé. Pois o arrasta-pé ou SERROTE, segundo os folcloristas Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, é uma variante da polquinha. Eles dizem no livro Danças e Andanças (1975):

“Famosa dança européia que dominou os salões na segunda metade do Século XIX. No Rio Grande do Sul tornou-se música bem típica do acordeão. A música da polca manteve-se firme na preferência rural e serviu para dançar tipos de modas coreográficas: primeiro a polca propriamente dita, depois o one-step (marcha) e o próprio samba. Chama-se “polquinha” à polca com melodia muito simples, adaptável mesmo às gaitas com um mínimo de recursos harmônicos. Outra denominação – “limpa banco” – significa que ninguém resiste sentado ao seu ritmo contagiante. Há uma variante executada através de passos-de-marcha arrastando-se as botas e sandálias sobre a areia do assoalho dos rústicos “salões” campeiros: chama-se “arrasta-pé” ou “gasta sola” ou ainda, por causa do seu ruído característico, “serrote”.

No livro do historiador Hardy Vedana, sobre “A Eléctrica e os Discos Gaúcho”, (2006), ele encontrou uma quantidade muito grande de xotes, valsas, tangos, mazurcas, havaneiras, polcas, sambas, dobrados, gravados no período “entre 1913 e 1923”. Eram os Discos Gaúcho (a grafia usada por Vedana, pois eram Disco Gaúcho), dessa gravadora que existiu em Porto Alegre. Ele não relaciona a polquinha, nem arrasta pé, mas polca, sim, e muitas. Algumas, certamente são variantes.

Os folcloristas Enio de Freitas e Castro e Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, em 1945, realizaram uma pesquisa para a Escola Nacional de Música, do Rio de Janeiro, e foi publicada uma “Relação dos Discos Gravados no Estado do Rio Grande do Sul”. Fizeram uma classificação por gêneros, encontraram muitos xotes, rancheiras, valsas, toadas, entre outros ritmos. No entanto, quanto ao gênero sobre Polquinhas, relacionaram, Baile na Vacaria, Limpa Banco, Polquinha, Polquinha do Alfredo, Serraninha e Arrasta-pé.

O curioso é que eles encontraram somente um Arrasta-pé, mas conforme as pesquisas de Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, eles informam que a polquinha ou arrasta-pé foi executada nos “salões” campeiros. Pedro Raymundo, em 1944 gravou a polca: Cuidado, Manéca! Ainda na década de 1940, gravou as seguintes polcas: Festa na Roça, Tá Tudo Errado, Na Casa do Zebedeu e Dança da Vovó. Nas décadas de 50 e 60 gravou muitas polcas, o que prova a aceitação do ritmo.

A polca, mais precisamente a variante, teve muitos seguidores no Rio Grande do Sul. Raul Sotero, renomado poeta, trovador, gaiteiro e cantador dos ritmos gauchescos, no seu terceiro livro “Desperta, Rio Grande” (1962), tem uma prova que executava polcas, nos bailes campeiros. Pois ele traz uma carta de um leitor, de nome Anastácio Rodrigues, do lugar denominado Palmas, interior de São Gabriel, um apreciador de sua arte que diz:

“Tive a felicidade de conhecer Raul Sotero, em um baile. O leitor não poderá fazer uma idéia o prazer que este gaúcho proporciona quando numa polca bem chorosa e cantada, faz os dançadores recordarem coisas do arco da véia”.

Esse arrasta-pé: Cana Verde, com Tonico e Tinoco, foi gravado no primeiro LP deles, pela Continental, lançado em 31 de janeiro de 1957. E foi um sucesso nacional! Conforme já disse, foi uma das músicas de maior sucesso da dupla no Rio Grande do Sul. Briga no Batizado, do primeiro disco de 78 do Teixeirinha, lançado em julho de 1959, é um arrasta-pé. No outro lado do disco, tem o Xote Soledade. Briga no Casamento, um arrasta-pé, é do 1º LP do Teixeirinha em 1961. Gildo de Freitas, em 1964 quando gravou, incluiu vários arrasta-pés, nos seus dois primeiros LPs. Tem um arrasta-pé: Baile de Respeito, onde ele mexe com o Teixeirinha. E este não deixou para menos, e lascou o arrasta-pé: Baile de Mais Respeito. O José Mendes, outro grande cantor, quando gravou e “estourou” em 1967, o seu principal sucesso, Pára, Pedro, em parceria com Portela Delavy, também um arrasta-pé. Nos discos de outros artistas gaúchos, dessa época, encontraremos uma infinidade de músicas com esse ritmo.

Tonico, no verbete sobre Cana Verde, do livro “de memórias”, diz:

“Cantávamos esta música nos bailinhos do interior, muitas vezes tendo somente um cavaquinho como acompanhamento...”

Depois, dessa música, em 1959, gravaram o arrasta-pé “Querê Bem”, de autoria da dupla. Um dado interessante é que o Tonico afirma que o estilo do arrasta-pé é de uma polca:

“Tinoco, lembrando de um arrasta-pé que o tio Elizeu tocava na sanfoninha de oito baixos, pegava na viola e riscava a melodia de “Querê Bem”. Essa música conhecida como estilo polca, era muito solicitada nos bailes...”

Quanto à música Moreninha Linda, de Tonico, Priminho e Maninho, que colocaram como ritmo cana-verde, é o Tonico que explica:

“Priminho e Maninho formavam uma dupla amadora, além de terem sido proprietários de circos. Gravaram uns discos, com repertório composto daquelas modinhas bem típicas do interior. Eles cantavam um sambinha chamado “Vida Sem Amor”, que eu aproveitei como arrasta-pé, mudando a letra e o título para “Moreninha Linda”. Roberto Leal também gravou esta música, além de outras duplas e sanfoneiros. Sempre fez muito sucesso, transformando-se no hino da cana-verde”.

Tonico diz que aproveitou como um arrasta-pé. A Dupla Coração do Brasil, começava essa música, falando assim:

“Vamos arrasta o pé na cana-verde, rapaziada!”

Em 1964, eles gravaram “Arrasta-Pé na Tuia”, da própria dupla. Tonico dá um depoimento, comparando a um “verdadeiro limpa-banco”:

“Este arrasta-pé, nos bailes, era o verdadeiro “limpa-banco”; quando começava, não ficava ninguém sentado...”

“Adeus Moçada”, de Tonico e Tinoco, Priminho e Maninho; Baile na Roça e Bailão Gaúcho, estas duas de Tinoco e Nadir. Todas têm o ritmo arrasta-pé. Na história dessas músicas, Tonico e Tinoco falam que o ritmo era muito executado nos bailinhos da roça.

Com isso, cheguei à conclusão que o ritmo “arrasta-pé”, era tanto cultuado na música regional sertaneja em São Paulo, de acordo com Tonico e Tinoco, dançado nos bailes da roça, como na música regional do Rio Grande do Sul com Teixeirinha e tantos outros.

4.16 - Tonico e Tinoco e o Traje Gaúcho

Tonico e Tinoco, como apreciadores do Rio Grande, também divulgaram o traje sulino. Saíram nas capas, dos primeiros LPs, dos livrinhos de Modinhas Sertanejas e Revistas Sertanejas, vestindo bombachas, lenços e botas campeiras. A dupla, como seguidores da Turma do Cornélio Pires, os pioneiros a usarem a vestimenta regional, e como representantes típicos, eles usavam comumente o traje do caipira paulista. Antes deles, o Pedro Raymundo, como artista, representante típico do homem regional do Rio Grande do Sul, já havia divulgado o traje gaúcho, nos programas de auditórios da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, nas andanças artísticas pelo Brasil, nos discos, nos livrinhos de Modinhas Populares e na Revista do Rádio, na qual saiu na capa, em 1950, com um lenço branco no pescoço e chapéu preto, jogado às costas. Depois, os Irmãos Bertussi, quando gravaram, em 1955 passaram a divulgar a bombacha, nacionalmente. É claro que no Rio Grande do Sul, os homens rurais, os gaúchos, já usavam bombacha, desde a segunda metade do Século XIX, depois da Guerra do Paraguai, de acordo com os historiadores. Mas A Dupla Coração do Brasil contribuiu muito na divulgação do traje gaúcho, no resto do país, pois faziam sucesso em todo o Brasil. Também, o Teixeirinha, no 1º LP O Gaúcho Coração do Rio Grande (1961), numa foto de bombacha de botão e lenço colorado (de Oswaldo Micheloni), que marcou no cancioneiro gaúcho.

4.17 - A Dupla Coração do Brasil grava Irmãos Bertussi, Teixeirinha, Lupicínio Rodrigues e Sidney Lima

A dupla fez mais uma homenagem ao Sul, pois em 1974 gravaram do repertório da maior dupla de gaiteiros do Rio Grande do Sul, que foram os Irmãos Bertussi, a composição Cavalo Preto - toada-gaúcha, de Honeyde Bertussi e Viramundo. Sobre essa gravação, diz Tonico, no livro “de memórias”:

“Em nossas andanças lá pras bandas do Sul, encontramos os Irmãos Bertussi, num bailão: eles cantavam esta moda e nós a achamos muito boa. Por isso, a incluímos em nosso repertório. Ela é até hoje muito executada nas programações sertanejas do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina”.

Já em 1975, eles incluíram num LP, quatro toadas, de autoria do Teixeirinha: Motorista do Progresso, Sorte Tirana, Distante de Ti e Adeus, Gaúcha. Foi mais uma homenagem à nossa querência, cantando esses sucessos do maior artista popular do Rio Grande do Sul. Também, no LP “Juventude no Arrasta-pé”, Som Livre, 1991, eles gravaram o clássico Felicidade (xote-canção), do grande compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues; e Velho Rancho, do saudoso cantor dos pampas: Sidney Lima.

4.18 – Teixeirinha, Valdomiro Maicá e Fernando Teloeken homenageiam a Música Caipira e Tonico e Tinoco

Teixeirinha, por sua vez, embora o forte do seu repertório fosse o Regionalismo gaúcho, mas era um cantor de muitas facetas, incluiu em seu repertório, vários clássicos do cancioneiro sertanejo, especialmente do caipira de São Paulo, - a maioria, gravada no repertório de Tonico e Tinoco. No LP de Norte a Sul (Copacabana, 1977), gravou Cavalo Zaino e Moda da Mula Preta, de Raul Torres, Cabocla Tereza, do Torres e João Pacífico, Saudades de Matão, do Torres, Jorge Galati e Antenógenes Silva, Cortando Estradão e Burro Picaço, ambas de Anacleto Rosas Jr., Paraná do Norte, de Palmeira, Asa Branca e Assum Preto, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, Noches Del Paraguay, de Samuel Aguayo, Recuerdos del Ypacay, de Z. de Mirkin e Demétrio Ortiz.

Teixeirinha já havia gravado o LP Minha Homenagem (Copacabana, 1976), mesclando músicas de compositores gaúchos e sertanejos. Dos gaúchos, selecionou Judiaria, de Lupicínio Rodrigues, Jurei, de Lauro Rodrigues e José Bernardes, Dançador de Xote, de Adelar Bertussi, Olhos Cor do Mar, de Clotilde Duarte, Cantiga de Saudade, de Luiz Menezes, Gaúcho Velho, de Pedrinho de Almeida e Herivelto Martins. Incluiu Paixão de Um Homem, de Waldick Soriano, e Rosa Maria, do próprio Teixeirinha. Dos compositores sertanejos: Menino da Porteira, de Teddy Vieira e Luizinho, Tempo de Mocinho, de Raul Torres, Boiadeiro do Norte, de Zulmiro, e Recordações, de Mário Zan e Palmeira.

Este clássico Recordações, foi um sucesso, com as Irmãs Celeste, em 1959. É uma música belíssima, retratando um romantismo especial, que é o forte do cancioneiro regionalista.

Valdomiro Maicá, outro grande cantor da Música Missioneira do Rio Grande do Sul, juntamente com o cantor Fernando Teloeken, também prestaram tributo à música sertaneja e a Tonico e Tinoco. Gravaram no CD Laços Culturais (Usa Discos, 1999) os clássicos caipiras, Recordação (de Nenete e Goiá) e Destinos Iguais (de Capitão Furtado e Laureano), mesclados com clássicos gauchescos, como Velha Tapera (de Lauro Rodrigues, Oswaldinho e Zé Bernardes), Dois Amigos (de Jayme Caetano Braun e Noel Guarany), Meu Pago (de Moacyr Riesing) e outros.

Essa composição Recordação, foi um grande sucesso de Nenete e Dorinho, em 1959. Foi gravada por Adauto Santos, Sérgio Reis e Amaray. É uma letra muito bonita que nos remete à infância, naquela vidinha rural, que nós oriundos do interior, jamais abdicaremos no decorrer de nossa existência.

Essa “Destinos Iguais”, uma toada, de Capitão Furtado e Laureano, fora gravada por Tonico e Tinoco em 1947 num disco de 78 rotações, pela Continental. Posteriormente, num LP (Chantecler, 1959). Laureano fez dupla com o Mariano. Mariano era pai do acordeonista Caçulinha, e anteriormente fez dupla com Caçula e Mariano, a dupla que participou da Turma Caipira Cornélio Pires e gravaram a primeira moda de viola autêntica no Brasil: “Jorginho do Sertão”, lançado em outubro de 1929. O outro compositor da música, o Capitão Furtado, sobrinho de Cornélio Pires, também foi um consagrado compositor da Música Caipira.

É a homenagem de Valdomiro Maicá e Fernando Teloeken à música caipira e, especialmente, à Dupla Coração do Brasil, gravando “Destinos Iguais”:

Já foi no morrê do dia,
Quando eu vi com alegria
Dois canarinho gorgiá.
Com bicada de ternura
O casar trocava jura
De eternamente se amá.

De repente, da gaiada
Aonde tavam pousada
As avezinha do amô,
Surgiu um gavião marvado
Passando o bico encurvado
Na canarinha e levô.

O canarinho, coitado,
Avoou desesperado
Perseguindo o marfeitô.
Despoi mais veio vortando
Muito triste soluçando
Num gorjeia cheio de dô.

Dos óio do canarinho
Eu vi moiado os cantinho,
De chorá pelo seu bem.
Uma dor foi me apertando
E meus óio foi piscando,
Sem querer chorei também.

Chorei, pois tive saudade
Daquela felicidade
Que o destino me robô.
O meu viver solitário
É tar e quar esse canário
Que perdeu o seu amô.

 

4.19 – Tonico e Tinoco no Paraná

 

NHÔ BELARMINO E NHÁ GABRIELA
Revista Moda e Viola - Ano I – n. 6 - 1977
Luzeiro Editora Limitada, São Paulo

 

A contribuição de Tonico e Tinoco não foi só no Rio Grande do Sul, também nos outros Estados sulinos. Foram e continuam sendo muito cultuados e reverenciados no Paraná. Prova disso, foi quando “Tinoco esteve em Curitiba em 2003 (já tinha morrido o Tonico) para gravar um documentário para o programa “Brasil Caboclo”, apresentado por Maikel Monteiro, na Rádio Paraná Educativa AM, de Curitiba Paraná” (conforme “site” de Paulo Roberto Moura Castro) . Vejam que a maior dupla paranaense, da música regionalista/sertaneja, de todos os tempos, foi Nhô Belarmino e Nhá Gabriela. “Iniciaram profissionalmente em meados de 1940”, e se transformaram na “mais famosa e representativa Dupla Caipira do Estado do Paraná”, conforme o site “Boa Música Brasileira”, de Ricardinho, com a colaboração também do pesquisador Maikel Monteiro. Pois, de certa forma, o repertório dessa dupla, se abraça com o de Tonico e Tinoco. Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, também gravaram músicas gauchescas, com destaque para o xote “As Mocinhas da Cidade”, em 1957. Música que até hoje vem sendo regravada pelos artistas do Rio Grande, como aconteceu há pouco tempo, numa gravação do cantor nativista Rui Biriva.

Outros artistas do rádio e televisão do Paraná, são o acordeonista e cantor Araty e a dupla Pedro Ramirez e Rosenilda, que gravaram alguns xotes bem no estilo do Pedro Raymundo e de Tonico e Tinoco. Outro exemplo: do compositor paranaense Zé Paióça, co-autor com Tonico e Tinoco, daquele xote clássico, Fim de Baile, gravado por Tonico e Tinoco. Segundo Ubiratan Lustosa, no livro “O Rádio do Paraná” (2009), Zé Paióça foi um “talentoso poeta, letrista e declamador sertanejo dono de grande popularidade” e apresentou o programa “Galpão de Violeiros”. Assim como Pedro Ramirez, Zé Paióça, usava lenço branco à moda gauchesca, conforme clichê, no livro de Lustosa. Esses artistas em seus repertórios regionalistas, fizeram um misto de gaúcho e sertanejo. Pois, muitos gaúchos estão radicados no Paraná, onde semearam CTGs por todos os recantos. Por isso, o regionalismo (gaúcho e sertanejo) é muito forte naquele Estado. Mais um exemplo, é o do cantor gaúcho Ivan Taborda, que faz muito sucesso, no Paraná, e apresenta o programa “Alô, Tchê”, na TV Educativa do Paraná. Mas, o sertanejo propriamente dito, é muito mais executado. Talvez, até com a proximidade geográfica com São Paulo. Dali do Paraná, saíram artistas, como os famosos Chitãozinho e Xororó, entre outros e, mais recentemente, Joãozinho, do Regional da Inezita Barroso (que é “natural de Cornélio Procópio, norte do Paraná”, conforme li no site “Recanto Caipira”, de Sandra Cristina Peripato). Mas estes se radicaram na Capital paulista, o centro ou QG da música caipira (sertaneja).

Tonico e Tinoco em 1974, eles gravaram Cavalo Preto – toada-gaúcha, de Honeyde Bertussi e Viramundo, grande sucesso dos Irmãos Bertussi. No livro deles, que é de 1984, atestam o sucesso que ainda faziam nos três Estados do Sul em plena década de 1980. Pois Tonico declarou:

“Ela é até hoje muito executada nas programações sertanejas do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina”.

Por isso, a contribuição de Tonico e Tinoco, na música regional, no Paraná, depois de escutar o repertório desses artistas, é inegável. Eles fizeram um grande sucesso em todo Brasil, com a música “Curitibana” – arrasta-pé, de Tonico, Tinoco e Pirigoso, gravada no selo Caboclo em 1960 e no LP Na Beira da Tuia em 1958 (Continental). Depois, a mesma parceria da dupla com o Pirigoso: “Volta da Curitibana” – cana-verde, pela Chantecler, em 1979.

Em homenagem ao Estado, já haviam gravado “Paranaense” – cana-verde, de Tonico, Tinoco e Chiquinho (pelo Selo Caboclo em 1962 e RCA-Victor em 1967). E, em 1969: “Rio Paraná” – canção, de Ary Toledo e Chico de Assis, e “Paraná, Rio e Poesia”- toada, de Tonico, Tinoco e Milton José. Estas duas pela Continental.

A valsa O Paraná (de Tonico e Tinoco), foi gravada pela Continental em 1975. É também como as demais uma grande poesia e mais uma vez é o Tonico, que atesta esse sucesso:

“Depois de muitos anos cantando no Estado do Paraná, quisemos prestar uma homenagem àquela terra. Pesquisando aquelas belezas fizemos esta letra e música, que dedicamos a todos os queridos paranaenses”.

Vejamos a letra:

Meu Paraná, revestido das matas e pinheirais,
É um jardim florido, as grandes zonas rurais,
O caboclo destemido cada veis plantando mais,
Chão vermelho colorido, a sombra dos cafezais.

Vamos saudar o Paraná, vamos saudar o Paraná. (Estribilho)

Planalto que não arreda, monumento natural,
A Vila Velha de pedra, o grande rio Paraná,
O salto das Sete Quedas, o porto Paranaguá,
Deslizando a grande serra, Curitiba, a capital.

Vamos saudar o Paraná...
Lá no cerrado, distante, a piada do Inhambu,
Grande mata verdejante, Brasil Cruzeiro do Sul,
Paraná tudo é beleza, teu lindo céu azul,
Enfeitando a natureza, cataratas do Iguaçu.

Vamos saudar o Paraná...

Num governo confiança, de mão dada prosseguir,
Paraná, verde esperança onde a lavoura sorri,
O progresso que avança, caboclo forte e gentil,
O teu sertão que balança a grandeza do Brasil.

 

4.20 – Tonico e Tinoco em Santa Catarina

No cancioneiro popular catarinense, Tonico e Tinoco, também tiveram artistas, alinhados na sua música de Estilo regional. A principal dupla do Estado, Portãozinho e Porteirinho, que por anos a fio, mantiveram programas no rádio e na televisão, como o tradicional “Festa na Ilha”, em Florianópolis, que era ouvido em todo o Brasil, assim como Nhô Belarmino e Nhá Gabriela (no Paraná), eles em Santa Catarina, cultivaram um repertório regionalista, misto de gaúcho e sertanejo.

Portãozinho e Porteirinho, na apresentação do Programa “Canta Sertão”, na TV CULTURA DE FLORIANÓPOLIS - Revista SOM DO SERTÃO, Editora Abril, 1981.

Já foi visto, neste trabalho, que Tonico e Tinoco gravaram duas músicas, dois xotes, Peão Gaúcho e Gaúcho (depois com o nome de Rei do Laço), contendo o termo boiadeiro que é comum nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso... No Rio Grande do Sul é comum o termo tropeiro. Teixeirinha, Irmãos Bertussi e Glaucus Saraiva, entre outros, compuseram músicas sobre O Tropeiro. Mas tanto o tropeiro, como o boiadeiro, tocavam gado por terra, na “saga do tropeirismo”, antes do advento das jamantas que substituíram essa profissão primitiva do trabalhador rural brasileiro.

Tem aquela famosa música “Mágoa de Boiadeiro”, de Nonô Basílio e Índio Vago, que inspirou o filme homônimo, com Sérgio Reis. Filme, que rodou em todo o Brasil com enorme sucesso, influenciou de sobremaneira o emprego do termo boiadeiro. Conforme foi visto no verbete sobre o boiadeiro, ele não deixa de ser sinônimo do tropeiro. Tonico e Tinoco, com Hilde Moreira, criaram um valseado “Parada dos Tropeiros”, onde dá para entender perfeitamente que tropeiro e boiadeiro são a mesma profissão.

“Alembro do meu passado, que já vai muito distante,
O pai era tropeiro, eu era seu ajudante,
A festança na pousada, não esqueço um instante,
A tropa parou na estrada, e o progresso seguiu pra diante.

Tropeiro e boiadeiro mudaro de profissão,
Transporte de boiada é nos possante caminhão,
A rodovia asfartada atravessa o sertão,
O posto de gasolina sempre foi pousada do peão.

Progresso brasileiro deixou a recordação,
Tropeiro e boiadeiro atravessava o sertão,
Abrindo trio e picada, formando povoação,
Aonde passa asfarto sempre tem o rastro do peão.

A lembrança tropeira no meu coração guardado,
O laço e a chinchadeira na garupa do bragado,
A batida da porteira no caminho do passado,
A image do véio pai, vejo galopando sempre a meu lado”.

Sobre esse aspecto é digno de registro que: um grupo de gaúchos que se fixou em Concórdia, fundou em 1957 o primeiro CTG (Centro de Tradições Gaúchas) Fronteira da Querência, em Santa Catarina” (JOSÉ ODY, 2009). E dali para cá, se proliferaram as entidades tradicionalistas no Estado.Tem vários, com o nome de Querência Amada, não sei se por coincidência ou em homenagem a música do Teixeirinha. Mas tem CTG com nome de “boiadeiro”, que muito têm a ver com a cultura caipira, como foi visto, nesse valseado “Parada de Tropeiros”, gravado por Tonico e Tinoco. Têm os CTGs: “Estância do Boiadeiro, Mágoas de Boiadeiro, Boiadeiro do Rincão, Recordação de Boiadeiro” (MAUERMANN e CORRÊA, CTGs Santa Catarina, 2008).

Por isso, nesse intercâmbio de gaúchos e caipiras, não se pode negar a influência dos expoentes máximos: Tonico e Tinoco, que, com suas músicas, também fizeram grande sucesso na terra “barriga-verde”. Chegaram a gravar uma valsa com o título “Santa Catarina”, de Tonico, Nhô Zoli e Carlito, em 1974 pela Continental, exaltando as belezas naturais daquele Estado, ao qual chamaram de “caboclinha serrana”. É o Tinoco que depõe sobre a história dessa música:

“Passando uns dias em Brusque, na casa do cunhado Arnaldo, tivemos oportunidade de conviver mais com os catarinenses, observando seus modos, suas gentilezas para com os visitantes. Assim surgiu a idéia desta valsa, que gravamos com um arranjo do maestro Machado, bem ao estilo catarinense”.

Recordando em lindo sonho, a serra, mata e campina,
Lá na baixada vertente corre água cristalina,
E saudando aquela gente, aí de Santa Catarina.

Vamo saudando de novo
Esta varsinha pertence,
Saudade daquele povo
Da terra catarinense. (Estribilho)

É uma só irmandade, nossa amizade conquista,
Entre sertão e cidade, uma marcha progressista,
A terra da liberdade, roceiro e capitalista.

Vamos saudando de novo...

Vejo em Santa Catarina as tradição soberana,
Paisagem à beira-mar, linda menina praiana,
Para enfeitar o sertão, as caboclinha serrana.


Depois, em 1991 Tonico e Tinoco no LP “Juventude no Arrasta-pé” (pela Gravadora Som Livre), na belíssima música Sul Brasileiro (de Tinoco e Nadir), falam nas tradições do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, provando essa integração cultural que mantiveram com os três Estados do Sul.

Considerações Finais

Neste pequeno estudo, mas de forma sistematizada, procuramos demonstrar a influência que a música sertaneja exerceu sobre a cultura musical do Rio Grande do Sul e vice-versa. Pegamos como referência o trabalho da maior dupla sertaneja do Brasil de todos os tempos: Tonico e Tinoco. E o veículo irradiador dessa troca de culturas, foi o rádio, - o maior meio de comunicação de massas, nas décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. Nos dois primeiros decênios, pegamos como fontes primárias, uma farta bibliografia (de livros, jornais e revistas) e discografia. Nos dois últimos decênios, além dessas fontes, empregamos nossa vivência, como ouvinte de rádio e observador atento sobre o movimento musical brasileiro. E chegamos a algumas conclusões: Tonico e Tinoco, como representantes máximos da música sertaneja, influenciaram no Rio Grande do Sul, mas foram também influenciados por nossa música regional gauchesca. Eles declararam que escutavam Pedro Raymundo, em 1944 e o consideravam, um dos maiores criadores de xotes. E foi, justamente, esse ritmo gaúcho que eles mais gravaram, no estilo da gauchada.

No entanto, também influenciaram na formação dos Estilos musicais, principalmente na música regional de consumo do Rio Grande do Sul. Quantos artistas, executaram em seu repertório, músicas sertanejas! Alguns, como Teixeirinha, que além de músicas gaúchas, tem muitas sertanejas. Além disso, Teixeirinha (já no final da década de 1950), Gildo de Freitas, José Mendes, entre outros, nas décadas de 1960, passaram a compor o ritmo arrasta-pé, como seguidores de outros cancioneiros, aqui do Rio Grande do Sul (como Pedro Raymundo, que também gravou muitas polcas), mas, abraçando-se de certa forma, com a música Cana-Verde (da mesma época), um dos maiores sucessos do repertório de Tonico e Tinoco, também seguidores dos velhos sanfoneiros dos bailes na roça, como eles próprios declararam no livro “de memórias”.. Alguns artistas, no Rio Grande do Sul, em menor número, seguiram cantando músicas sertanejas.

Outros artistas, como os missioneiros, foram mais influenciados pelos ritmos de “nuestros hermanos”, principalmente da Argentina, mas também tiveram um “naco” da música sertaneja, por essa influência das rádios paulistas. “Numa mescla que deu certo”, como dizia Cenair Maicá. Depois, com a proliferação dos festivais de música nativista no Estado, a partir de 1971, a influência com os países, formadores do Mercosul, foi muito maior, evidentemente. Pois nessas alturas, a música sertaneja autêntica, havia entrando em declínio. Mas é inegável, a contribuição anterior à essa época, principalmente de Tonico e Tinoco, com a música regional gauchesca.

Outro dado importantíssimo, é que a Dupla Coração do Brasil continua sendo ouvida no Estado sulino. A Rádio Cerro Azul, da cidade de Cerro Largo, no Rio Grande do Sul, mantém aos domingos de manhã, das 9 às 11 horas, o programa “Atravessando a Fronteira”, apresentado com maestria pelo Odontólogo João Pio Flach, Diretor-proprietário da emissora, que além de rodar as músicas solicitadas pelos ouvintes, conta histórias da Música Popular Brasileira e do cancioneiro Sul-Americano e da América Central, pois até as músicas de Miguel Aceves Mejia, que era do México, são rodadas, tornando um espaço cultural. É sintonizado pelos países vizinhos. Pois o próprio nome do programa, já está dizendo e a música característica é justamente uma polca paraguaia, “Guavirá Poty”, de autoria de Maurício Cardoso Ocampo e Emiliano R. Fernández, com Pepito Bordón, um dos ritmos mais cultuados no Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil (através das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste). “Este programa está no ar há quase 30 anos”, conforme me informou a Sra. Liane Helena Schneider Flach, Diretora da Rádio Cerro Azul, em entrevista no dia 6 de janeiro de 2010. O programa, portanto, está no ar desde o início da década de 1980, e as músicas mais solicitadas são justamente, as sertanejas, com Tonico e Tinoco.

Por sua vez, na Rádio Sepé Tiarajú de Santo Ângelo, na Capital das Missões, também, no Rio Grande do Sul, nos domingos, no mesmo horário, o apresentador Nilson Amaral, apresenta o programa “A Volta do Tropeiro”, onde tem “O Espaço das Recordações”, com as músicas mais solicitadas, as de Tonico e Tinoco, principalmente os clássicos da música sertaneja.

A dupla Oswaldir e Carlos Magrão, que têm gravado clássicos do nativismo gaúcho, com músicas dos festivais; composições do Teixeirinha, como “Querência Amada”; gravaram também “Moreninha Linda” (cana-verde) de Tonico, Priminho e Maninho.

Meu coração tá pisado como a flor que murcha e cai,
Pisado pelo desprezo do amor quando desfais.
Deixando a triste lembrança, adeus para nunca mais.

Moreninha linda
Do meu bem querê,
É triste a saudade
Longe de você.

O amor nasce sozinho, não é preciso plantá.
A paixão nasce no peito, farsidade no oiá.
Você nasceu para outro, eu nasci pra te amá.

Moreninha linda...

Eu tenho meu canarinho, que canta quando me vê.
Eu canto por tê tristeza, canário por padecê
Da saudade da floresta, é saudade de você.

Moreninha linda...

Nos programas de rádio (ao vivo) aqui na região missioneira, onde sintonizo as emissoras, nos domingos, tanto no horário da manhã, meio-dia ou à tarde, os músicos permeiam em suas cantorias, músicas gauchescas e sertanejas, principalmente das gravações de Tonico e Tinoco. Uma delas, Velhas Cartas, provando que a música sertaneja, marcou uma época no Rio Grande do Sul. Outro dado importante: são aqueles mesmos violeiros e gaiteiros, que cantavam as músicas da dupla, nas décadas de 1960 e 1970. Em outras palavras, são músicos da Velha Guarda.

É claro que a partir do final da década de 1970, o rádio foi perdendo espaço para os programas de televisão. Principalmente, a programação à noite, onde os espaços nobres, que eram ocupados por artistas regionais nas rádios paulistas e do nosso Estado, perderam audiência para as novelas, na televisão. Contudo, nas programações de nossas emissoras, aqui do Estado, levadas ao ar, no alvorecer, fora dos espaços nobres, ainda são muito sintonizados os programas, com músicas sertanejas, especialmente as gravações de Tonico e Tinoco. Com isso, até hoje, as nossas rádios, de todo o Estado gaúcho, ainda rodam muito as músicas com A Dupla Coração do Brasil. Não se sabe, é uma incógnita, de até quando permanecerá esse fenômeno!

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Entrevistados:
Fábio Moreira da Silva (Porangaba, SP)
Hélio Xavier da Silva (de Mogi-Guaçu, SP)
João Pio Flach (de Cerro Largo, RS)
José Norinaldo Tavares (de São Borja, RS)
Liane Helena Schneider Flach (de Cerro Largo, RS)
Maikel Monteiro (Curitiba, PR)

Colaboradores com material de pesquisa:
Antônio Mortarelli (de Limeira, SP)
Arnaldo Guerreiro (de Portugal)
Marcello Campos (de Porto Alegre, RS)
Maria Immaculada da Silva ( São Paulo, SP)
Nézio Silveira Alves (de Canoas, RS)
Olga Amorim (Catanduva, SP)
P. R. de Fraga Cirne (de Porto Alegre, RS)
Ramão Aguilar (de São Borja, RS)
Terezinha de Jesus Gomes (São Paulo, SP)
Thais Matarazzo (São Paulo, SP)

 

O Autor Israel Lopes

Advogado. Pesquisador da nossa Música Popular Brasileira. Natural de São Borja, Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1º de junho de 1950. Filho de Clarel Amaro Lopes e Dejanira dos Santos Lopes, é casado com Mara Genro Lopes, com quem tem um filho Vítor. Já na escolinha rural, li nos livros didáticos, os poemas dos gaúchos Lauro Rodrigues, Lobo da Costa e Vargas Netto; e dos paulistas Cornélio Pires e Paulo Setúbal. Além disso, escutava os programas de rádio, do Rio Grande do Sul e São Paulo que, aliado à vivência campeira, moldou o seu espírito regionalista, o culto à brasilidade.
Em 1981, transferiu-se para Santa Maria, RS, onde cursou Direito na UFSM e intensificou suas pesquisas sobre a música popular. Dentro da Metodologia, pesquisou e escreveu, em parceria com o jornalista Vítor Minas, o livro “Pedro Raymundo”, da coleção Esses Gaúchos, publicada pela Editora Tchê!/RBS em 1986. Biografias das personalidades que projetaram o Rio Grande nacionalmente. Pedro Raymundo foi quem gravou a primeira música regional gauchesca de sucesso nacional: o xote “Adeus, Mariana!”
Em 1998, foi um dos vencedores do Concurso Literário Internacional A Integração Cultural do Mercosul, com o ensaio “A Importância dos RITMOS DE FRONTEIRAS na Integração Cultural do Mercosul”, publicado pela UFPel (de Pelotas). Nesse trabalho, provou que a integração cultural já existia de há muito entre os Países, antes da oficialização do MERCOSUL, mas através da música. Os principais ritmos de fronteiras que mantêm integração cultural com o Brasil são: a milonga (através do RGS) com a Argentina e o Uruguai; o tango e o chamamé (este através do RGS) com a Argentina; e a Guarânia e a Polca Paraguaia (através das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste) com o Paraguai. Em 1999, lançou o livro “Turma Caipira Cornélio Pires – Os Pioneiros da Moda de Viola em 1929”, na 40ª Semana Cornélio Pires, em Tietê, SP, quando palestrou sobre o folclorista. Entrevistou os remanescentes da Turma Caipira, Mandy e Sorocabinha. Este, guardava todas as matérias dos jornais da época, o que enriqueceu a pesquisa no tocante às fontes primárias. Ainda em 1999, publicou em co-autoria, com o também pesquisador são-borjense Ramão Aguilar, o livro “Major Maximiano Bogo, Um dos Baluartes do Tradicionalismo Gaúcho” (Desantis, São Luiz Gonzaga). onde fazem referências a vários nomes do cancioneiro gaúcho. “Israel Lopes & Amigos” (Editora Borck, São Luiz Gonzaga).
Israel Lopes também é autor do livro “Teixeirinha, O Gaúcho Coração do Rio Grande”, que fez parte do Projeto Teixeirinha – Memória Nacional, da Fundação Vítor Mateus Teixeira e Est Edições, cujo lançamento oficial ocorreu em Passo Fundo, no dia 3 de março de 2007 - a data do nascimento do artista, que se vivo fosse, teria completado 80 anos. Teixeirinha, embora nascido em Rolante, radicou-se em Passo Fundo, rumou à Capital paulista, gravou o seu clássico Coração de Luto (em 1960) mas “estourou”, num sucesso absoluto nos quatro cantos do Brasil em 1961 e atingiu o exterior. O livro, também foi lançado em Porto Alegre, na Casa de Cultura Mário Quintana, com a presença dos filhos do artista: Elizabeth Teixeira (advogada e diretora da Fundação) e Teixeirinha Filho (também cantor). Compareceram vários intelectuais. O folclorista Paixão Côrtes, que também esteve presente, foi entrevistado pela RBS TV quando disse da preciosa contribuição dessa obra, que veio somar-se a outras sobre a história da música do Rio Grande do Sul. Pois, nesse livro, procurou mostrar a importância de Teixeirinha, dentro do contexto cultural do Estado, fazendo um histórico da diversidade musical do Rio Grande do Sul, respeitando cada um dos Estilos.
Em 2013 lançou o livro “PEDRO RAYMUNDO E O CANTO MONARCA – Uma História da Música Regionalista, Nativista e Missioneira” (Letra & Vida, Porto Alegre), onde fez uma pesquisa bem mais profunda, nos arquivos dos jornais das décadas de 30, 40, 50, 60, conseguiu dados importantíssimos sobre os programas regionais, pioneiros no rádio gaúcho, apresentados por Pirajá Weyer, Pedro Raymundo e Lauro Rodrigues. Pedro Raymundo e seus companheiros, Osvaldo Serra, Zico e Alemão, que formavam o conjunto QUARTETO DOS TAURAS iniciam em 1939 na Rádio Farroupilha e, em 1940, foram para a Rádio Gaúcha de Porto Alegre. Em 1943 Pedro Raymundo foi para o Rio de Janeiro, quando gravou o xote Adeus, Mariana – a primeira música gauchesca de sucesso nacional. Atuou na Rádio Nacional e nas demais emissoras cariocas, levando a música sulina para o resto do Brasil. Viajou de Sul a Norte, pilchado de gaúcho, cantando e tocando sua gaita cromática. Israel, também colaborou em jornais de São Borja e Porto Alegre, destacando a importância dos payadores da Música Missioneira do Rio Grande do Sul, entre os quais Noel Guarany, Jayme Caetano Braun, Cenayr Maicá, Pedro Ortaça, João Sampaio, Jorge Guedes e Amigo Souza.
Em 2020 saiu a 2ª edição revisada e ampliada do livro “TEIXEIRINHA, O Gaúcho Coração do Rio Grande”, pela Fundação Vitor Mateus Teixeira e Evangraf, de Porto Alegre. Com 352 páginas. A 1ª, tinha 215. Publicou também, “NO TEMPO DE RAUL SOTERO -Um Trovador Gauchesco” (Editora Matarazzo, São Paulo).
Em 2022 o livro “A TROVA DE APORFIA NO RIO GRANDE DO SUL – Do Som da Viola ao Mi Maior da Gaita no Rádio e Fora do Rádio” (Editora Pragmatha, São Paulo). Como estudioso da trova, que é uma das mais legítimas manifestações folclóricas do Rio Grande do Sul, desenvolveu este estudo sobre os “desafios” que eram em “quadras” acompanhados por violas e, depois, em sextilhas, com gaita no mi maior de gavetão.
Atualmente, Israel Lopes está escrevendo mais dois livros: um, sobre a MÚSICA CAIPIRA E MÚSICA SERTANEJA. Trabalho que desenvolve desde 2010, mas está concluindo o seu texto. Outro, sobre Piratíni, que além de ter sido um show-man, no rádio em Porto Alegre, nas décadas de 1930 e 1940, apresentando programas de “calouros”, como a Hora do Bicho, foi compositor (parceiro de Lupicínio Rodrigues, na música O Amargo), tinha um famoso Regional, do qual fazia parte o Caco Velho.
Agora, apresenta este ensaio sobre “Tonico e Tinoco e a Música do Rio Grande”, onde procurou demonstrar que a dupla, embora eminentemente caipira, também foi influenciada pela música regional gauchesca, no Estilo de Pedro Raymundo, quando o ritmo xote foi uma constante no repertório deles. Para isso, fez um histórico dos primórdios da Música Caipira (especialmente de São Paulo, onde se deu o foco do trabalho da dupla). Também, historiou sobre as origens da Música Regional do Rio Grande do Sul, trazendo fontes primárias, de livros, jornais e revistas e entrevistas de músicos e conhecedores sobre o assunto. Aliado a essas fontes, somou sua condição de ouvinte assíduo do rádio e observador atento sobre a música regional. Por isso, neste trabalho, conseguiu demonstrar de forma sistematizada o estágio em que a dupla Tonico e Tinoco sofreu influências, mas também influenciaram no cancioneiro gaúcho.