João Batista da Silva nasceu em Cordeirópolis, no interior do estado de São Paulo, no dia 05 de agosto de 1909 e faleceu em Guararema/SP no dia 30 de dezembro de 1998, e ganhou o apelido de João Pacífico dada a sua surpreendente serenidade, evitando sempre se meter em qualquer situação encrencada. Seus avós foram escravos; sua mãe era escrava alforriada e seu pai era maquinista de trem.
Sua vida foi a clássica história do menino pobre do interior, da zona rural, que lutou pela sobrevivência na cidade grande. De Cordeirópolis, mudou-se para Limeira ainda pequeno e, com 10 anos foi morar em Campinas, onde participou da percussão na Orquestra Sinfônica local. Trabalhou também como copeiro na residência das irmãs do compositor erudito Antônio Carlos Gomes (autor da ópera "O Guarany", e também da canção "Quem Sabe"). Tal emprego e também o da Orquestra Sinfônica, com certeza o ajudaram a desenvolver e apurar seu bom ouvido musical, apesar de nunca ter aprendido música e de não saber tocar nenhum instrumento, exceto bateria que havia aprendido um pouco na adolescência.
Aos 15 anos de idade, em julho de 1924, o jovem João Batista da Silva descia do trem na Estação da Luz, na capital paulista com uma carta de recomendação que o apresentava como honesto e calmo, perfeito para trabalhar de faz-tudo numa fábrica de tecidos na Barra Funda. Fervia naquele momento a Revolução Paulista (5 a 27/07/1924) e, nas ruas do centro de São Paulo, os soldados com fuzis e baionetas afugentavam as pessoas que passavam, já que o tiroteio começava às 06 horas da manhã em ponto. Foi nesse cenário de guerra o primeiro contato de João Pacífico com a cidade grande.
De temperamento discreto, manteve-se sempre longe dos holofotes, mesmo quando esteve no auge do sucesso. Era também um mestre em elegância e bom humor.
Lendário na música caipira raiz, amigo de Mário de Andrade e de Guilherme de Almeida, com um número incalculável de músicas de sua autoria gravadas por intérpretes que vão desde Raul Torres e Florêncio até Chitãozinho e Xororó.
Apesar do enorme número de composições, muitas das quais ainda inéditas, ele gravou apenas um disco, no qual ele cantou e declamou, tendo sido acompanhado pela viola de Tião do Carro e do conjunto "Os Macambiras" (viola, bandolim e violões): trata-se de "João Pacífico - Documento Sertanejo" lançado pela Berrante/WEA em julho de 1980.
Em 1933, tendo João Pacífico conquistado a simpatia e a amizade do escritor Guilherme de Almeida, foi, munido de uma carta por ele escrita, à Rádio Record, procurando pelo cantor Paraguassu, o qual o recebeu apressado e repassou o jovem João Pacífico ao Raul Torres - o então "Embaixador da Embolada". Raul, simplesmente descartou a embolada "Seu João Nogueira" que João Pacífico levava escrita e disse que não tinha tempo a perder e que a jogasse no cesto do lixo... João Pacífico, com seu merecido apelido, apesar de cordato, não desistiu e, num outro dia, conseguiu que Raul Torres lesse a letra da embolada e ouvisse o próprio João cantar e mesma.
Imediatamente, Torres anunciou que era parceiro de João Pacífico a partir daquele instante e que gravaria na Odeon a embolada "Seu João Nogueira" (na qual homenageava o violonista da Rádio PRC-9 de Campinas - por sinal, tendo o mesmo nome artístico do falecido grande sambista carioca João Nogueira). Nascia naquele momento uma das parcerias mais produtivas da nossa boa música brasileira.
Também se deve ao grande João Pacífico a criação do gênero "Toada Histórica" na qual era declamada uma poesia que antecedia a parte cantada. "Chico Mulato" (Raul Torres e João Pacífico) foi a composição inaugural desse gênero, a qual foi difícil conseguir a gravação na RCA, pois, dadas as limitações tecnológicas da época, a toada completa, com a parte declamada, simplesmente não caberia num lado do 78 rpm. Como Torres e Pacífico não abriam mão de manter a composição em sua integridade, sem tirar nem por, o diretor da RCA-Victor Mr. Evans pediu aos técnicos da gravadora que reduzissem a distância entre os sulcos do disco, para que coubesse "Chico Mulato" na íntegra: a parte declamada mais a parte cantada.
Após algumas experiências, Mr. Evans e os técnicos conseguiram e finalmente "Chico Mulato" ocupou o lado B do disco da RCA-Victor e, como a mesma foi bastante tocada nas emissoras de rádio, não demorou para que Mr. Evans pedisse para João Pacífico uma outra daquelas cantar e falar... E o sucesso seguinte foi "Cabocla Tereza" (Raul Torres e João Pacífico). E tal foi o sucesso que "Cabocla Tereza" virou filme em 1982 sob a direção de Sebastião Pereira com Zélia Martins no papel principal e participação especial de Jofre Soares. O próprio diretor também representou o assassino da cabocla na película.
Brás Baccarin diretor artístico da Chantecler/Continental de 1962 a 1977 de um certo modo redescobriu João Pacífico, através do lançamento do LP do Duo Glacial, em 1970, com 12 composições de sua autoria.
A partir do disco do Duo Glacial, João Pacífico passou a ser chamado para entrevistas e participações em programas de TV, e passou a ser regravado e também reconhecido pela imprensa.
Também não pode deixar de ser mencionado o fato que inspirou João Pacífico a compor a letra de um dos mais belos e inspirados Em 1944, uma seca terrível castigava o interior paulista. Em Barretos, João Pacífico (que para lá havia viajado para se apresentar numa exposição de gado) viu os fiéis rezando e fazendo promessa numa procissão, para que a chuva viesse. A reza pela chuva inspirou João Pacífico que escreveu a letra de "Pingo D'água", que logo foi musicada pelo Raul, que imediatamente gravou juntamente com o parceiro Florêncio. E, coincidência ou não, choveu no interior paulista apenas dois dias depois do lançamento de "Pingo D'água" e, em Barretos João Pacífico e Raul Torres, quando por lá apareciam, eram até chamados de feiticeiros.
Em 1955, aos 46 anos e com pneumonia, conheceu Deolinda Rodella (Deda), filha de italianos, separada, que falava vários idiomas e trabalhava como tradutora numa empresa de telégrafos. Ela o acolheu em sua casa e passou a cuidar dele até que se restabelecesse. No início foram amigos apenas. Mas a amizade foi crescendo e transformou-se em amor para sempre. Em 1958, nasceu o único filho do casal que recebeu o nome do pai: João Baptista da Silva, o Tuca. João e Deda se casaram em 1983, após 38 anos de convivência. Dois anos depois nasceu a neta Ana Carolina, filha de Tuca, que daria muitas alegrias a João Pacífico. Para tristeza de João, Deda faleceu em 1990.
Em 30 de dezembro de 1998, no entanto, esquecido pela mídia e pelo mercado, João Pacífico deixou esse mundo aos 89 anos, ocasião na qual morava no sítio do amigo Frederico Mogentale. Com pouquíssima instrução escolar (na escola, só foi até o primário), a qualidade da construção poética de sua obra recebeu os maiores elogios de Manuel Bandeira e Guilherme de Almeida.
Texto: Sandra Cristina Peripato
Fonte: www.cantinhojoaopacifico3.blogspot.com |